Artigos de Jornal
A acrópole e suas atalaias
No último dia 20 participei conjuntamente com a Profa. Elizabete Pereira dos
Santos e do consultor Pedro Bettencourt Correia do seminário “Ambiente e Cultura
Soteropolitana” dentro do programa Salvador 500 da Prefeitura Municipal. Para
ligar estes dois temas fui buscar inspiração em Atenas, na acrópole. São poucas
no mundo e Salvador foi uma das mais belas. Ambas nasceram como fortaleza e se
transformaram em sede do poder político, religioso e cultural de seus países.
Impossível separar o acidente natural do seu papel cultural.
Todos os viajantes que por aqui passaram desde o século XVI se encantaram com a
implantação de Salvador no bordo de uma falha geológica e a exuberante vegetação
de sua encosta. Prova disto são os numerosos prospectos da cidade vistos da Baia
de Todos os Santos de gravadores holandeses no século XVII, de José Antonio
Caldas um século depois, de Vilhena no início do XIX e dos fotógrafos da segunda
metade do mesmo século que retrataram Salvador. Não menos abundantes são os
depoimentos escritos de viajantes, especialmente do século XIX.
Ha também registros da visão da Baia de Todos os Santos desde a acrópole. São
panorâmicas das ladeiras da Barra, Gamboa, Pau da Bandeira, Montanha, Conceição
e São Caetano e de atalaias como as das praças Municipal, da Sé e Santo Antonio
além do Carmo, Convento de Santa Tereza Convento de Santa Tereza, dos largos da
Vitória, do Passeio Público, dos Aflitos, do Teatro e da Lapinha, das colinas do
Bonfim e Mont’Serrat, que controlavam as interações marítimas, comerciais e
culturais de Salvador com o mundo e as cidades do Recôncavo, antes da hegemonia
do automóvel e do avião. Dentre os depoimentos escritos destaca-se o dos
naturalistas Spix e Martius sobre o Passeio Público deslumbrados com sua
vegetação e beleza.
A paisagem cultural é hoje uma das categorias de bens incluídos na Lista do
Patrimônio Mundial da Unesco e a cidade do Rio de Janeiro foi considerada como
tal em 2012. Poderíamos ter sido também, se a especulação imobiliária, com a
conivência das autoridades municipais, não tivesse destruído esta relação a
partir da década de 60 e transformado a Vitória em uma paliçada de concreto.
Lembro-me da baia com suas velas estufadas vista do Corredor da Vitória, através
dos jardins de suas viletas. Hoje quando vou aos apartamentos de alguns amigos
já não vejo o mar e me pergunto se não estou em São Paulo ou Belo Horizonte.
Emparedaram a Vitoria e estão acabando com a mata de sua encosta com planos
inclinados e teleféricos de uso bissexto na ganancia de privatizar a paisagem e
o verde da marinha. Emparedaram também o Passeio Público e a Lapinha. Para se
ver a Baia de Todos os Santos restam poucos logradouros. Mas não podemos
permitir que acabem com tudo.
Mais um desses mirantes está sendo emparedado, o da Rua Aloisio de Carvalho,
transversal do Corredor da Vitória. Sobre o status desse terreno há dúvidas, mas
mesmo que seja privado caberia ao poder público desapropria-lo ou fazer a
transferência do direito de construir, como prevê o Estatuto da Cidade nesses
casos. Urge que a Prefeitura tome uma providência, como fez o IPHAN, no caso da
Mansão Wildberguer, exigindo a preservação do mirante da Vitória, embora
permitindo a construção de uma torre monstruosa.
SSA: A Tarde, 10/05/15