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Jeito brasileiro de jogar futebol

  • 23 de Junho de 2010

O “remake” desnecessário da Fonte Nova é o retrato do desaparelhamento do estado, que terá um preço muito elevado para a sociedade e para o próprio governo. A propaganda oficial diz que teremos uma arena semelhante a de Hanover, administrada pela mesma empresa da Arena Ajax, de Amsterdam. Será que a nossa realidade é a mesma desses países e temos que nos submeter cegamente ao sokkerbusiness da FIFA? Afinal somos penta-campeões mundiais deste esporte, jogo que é aqui a alegria do povo, não dos barões do futebol mundial.

Os estádios da Copa do Mundo deverão estar prontos em 2012 para a Copa das Confederações. Pela opção adotada pela SETRE, Salvador leva uma tremenda desvantagem com relação a outras cidades. Terá que fazer duas gigantescas operações em lugar de uma só: demolir e construir um estádio. Mesmo que o IPHAN permita sua implosão, pondo em risco monumentos vizinhos, triturar e transportar 70.000 m3 de entulho e reconstruir um estádio de 50.000 lugares em apenas dois anos e meio é missão praticamente impossível.

Para complicar, a Schulitz Architektur e o Arq. Marc Duwe, autores do projeto, sem conhecer a geologia local, deslocaram o estádio, copia do atual, inviabilizando a utilização de suas fundações e aumentando o movimento de terra. Aquele é um local pantanoso e fincar estacas em terreno minado por antigas fundações é tarefa cheia de surpresas que qualquer construtor evita. Além disso, o projeto da nova arena tem falhas inexplicáveis.

A eliminação, não obrigatória, da pista de atletismo inviabilizará sua função multiuso. Sem ela, caminhões e gruas não poderão armar palcos e recobrir o gramado com placas e ambulâncias, carros policiais e de bombeiros não poderão entrar na arena durante acidentes e eventuais conflitos de torcedores. A entrada de caminhões sobre o gramado destruirá o sistema de drenagem e irrigação e o próprio gramado. As duas mil vagas de estacionamento é outra exigência descabida da FIFA para um estádio central, servido por metrô e BRT, como se afirma. Não estamos na Europa com auto-pistas velozes. Que turistas virão de carro para assistir três ou quatro jogos em Salvador?

Por esta razão, 17 das maiores entidades profissionais, ambientalistas e associações civis preocupadas com a aplicação dos parcos recursos públicos e temerosas dos impactos ambientais e prazo para a conclusão das obras, depois de tentarem em vão o dialogo, entregaram ao Governador uma carta aconselhando-o a recuperar o atual estádio, a um custo e tempo quatro vezes menor que a construção da nova arena.

Mas a questão de fundo é a sustentabilidade dessa arena chique para três ou quatro jogos, que atrairão no máximo 30.000 turistas, um décimo do que recebemos anualmente no Carnaval. Sem acordo com os dois maiores clubes, que já possuem estádios, quem irá utilizar esta arena, que mais parece uma ópera, com cem camarotes, sala e estacionamento VIP para cartolas, museu, restaurante panorâmico de 1.235 m2, 39 quiosques, 81 sanitários e 12 elevadores. Com uma superestrutura em aço carbono e cobertura de têxtil especial importado para produzir mormaço, sua manutenção será exorbitantemente cara. Nem na Europa essas arenas conseguem se manter.

Se o governo insistir nessa tecla, poderemos ficar sem a Copa e com um elefante branco que custará caro ao contribuinte. Estranha Parceria Público-Privada esta, que 70% dos recursos serão públicos e ainda teremos de pagar R$1,6 bilhões em 15 anos, a título de gestão, e entregar uma área central de 121.000 m2. O mais grave é que estaremos destruindo uma vila olímpica para termos apenas uma arena de futebol, renunciando a sediar jogos olímpicos em 2016 e privando a nossa juventude de ter uma piscina, pista de atletismo e um ginásio de esporte para treinar.

Pergunta-se: ainda há tempo para rever o projeto? A mudança unilateral da FIFA do jogo inicial da Copa, do Morumbi para outro estádio de São Paulo, mostra que sim. O Presidente Lula reagiu tardiamente às exigências absurdas da FIFA e o Governo de S. Paulo já disse que não dará um real para a construção ou reforma de outro estádio, pois tem outras prioridades. Vamos por os pés no chão e fazer a coisa certa.

SSA: A Tarde, 23/06/10


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