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Barba e cabelo
Esta expressão na minha juventude significava totalidade, fazer um serviço completo. Mas não é disso que quero falar, senão do movimento pendular da moda e da sutileza das palavras. Este tema me veio à cabeça quando recebi um WhatsApp de um primo gaúcho com uma foto da minha família materna, sotero-gaúcha, com meu avô Paulo e tios avós de cabeleira e barba.
Recentemente estive na Itália e pude rever nos museus bustos de alguns imperadores e patrícios romanos imberbes. Como não existia navalha nem gilete naquela época, eles deviam arrancar a barba com cera quente no rosto. Como se vê, a atual e dolorosa harmonização facial não é uma novidade.
A geração de meu pai e a minha não usava barba. Meu pai, que adorava novidades tecnológicas, teve uma coleção de aparelhos de barbear elétricos que não funcionavam e ele acabou voltando à Gillette Azul afiada numa maquininha com manivela.
Na década de 1960 aquele visual voltou. Cabeleiras e franjas bem tosadas foram relançadas por The Beatles, movimento musical que inicialmente não tinha caráter contestatário, mas depois, como alternativa à cultura do consumo, vai em busca da mística oriental e do transe.
O movimento Hippie trouxe de volta as cabeleiras e barbas, talvez para se diferenciar do burguês almofadinha e bem escanhoado. Os hippies andavam descalços, com roupas maltrapilhas, barbas crescidas, babadas e mal lavadas. Meu pai detestava aquele desleixo com a imagem pessoal. Pela mesma motivação, ou por não haver gilete na Sierra Maestra, Fidel Castro e seus companheiros adotaram também a barba.
No final da década de 1960, no período mais duro de Medici, entrei em depressão e resolvi fazer um exílio voluntário na Europa. Escolhi a Itália porque em 1964 foi divulgada a Carta de Veneza que trazia respostas para muitas das minhas inquietações preservacionistas. Na Itália, despertado pela explosão nas artes e na política provocado por um Medici culto, restaurei meu orgulho de ser latino.
O ambiente político na Europa, naquela época, diferia muito do Brasil, era o “proibido proibir”, grassando o amor livre, os protestos contra a guerra do Vietnam e o consumo de drogas, tudo embalados pelo Rock ‘n Roll. Ainda peguei as marolas da Primavera de Praga e da revolta dos estudantes da Sorbonne em Paris. Era um movimento juvenil fortíssimo, muito diferente da passividade estudantil atual.
Apesar de meus 30 anos, tinha a cara redonda de um bebê e resolvi criar cavanhaque para alongar meu rosto. Sabendo da oposição de meu pai às barbas, evitei mandar fotos para casa. Quando retornei, no final de 1972, com o canudo de doutor na mala, estranhei que meu pai não protestasse contra minha barba e perguntei. Ele respondeu: sua barba é uma barba criada, não é a barba crescida pelo desleixo. Nunca mais tirei o cavanhaque.