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O Sertão, suas raízes e resiliência
Salvo a faixa litorânea da Mata Atlântica, todo o resto da Região Nordeste é árido, e era despovoado. Os colonizadores o classificaram como um Desertão, que por síncope se transformou em Sertão. O sol, os cactos e o bode são temas centrais de artistas populares como o xilogravurista J. Borges e eruditos como Aldemir Martins e Francisco Brennand. Tema também da música popular, em especial de Gonzagão e Humberto Teixeira, e da literatura de cordel e de autores como Raquel de Queiroz e Ariano Suassuna. O mandacaru, que está pintado em toda parte, simboliza a resistência do sertanejo à adversidade do meio ambiente, como disse Euclides da Cunha.
Nenhuma região do país guarda maior legado cultural dos formadores da nacionalidade do que o sertão. Dos índios sobrevive a toponímia regional, a culinária da carne do sol, da paçoca e da macaxeira e o dormir em rede. Dos portugueses sobrevivem expressões que vêm do galego, como ‘oxente’, ‘ali arriba’, ‘ocho’ (8) ‘alcatifa’ e festas como reisado, entrudo, bumba meu boi, São João e marujada. Dos africanos herdamos a culinária do dendê, ritmos e danças como samba, xote, xaxado e frevo. Fortes são expressões de origem africanas como ‘cangaço’, ‘muvuca’ e ‘axé’.
A cultura do Nordeste continua viva e linda, como acabo de comprovar com a família viajando pelo sertão de Bahia e Sergipe para conhecer Piranhas, AL, e o cânion do São Francisco. Gente amável que continua ironizando os coronéis nos cordéis e com mamulengos e criando o excelente artesanato da Ilha do Ferro.
A história do sertão é marcada por movimentos político-religiosos que foram reprimidos de forma cruel. O primeiro é o da Pedra do Rodeadouro, em Bonito, PE, 1820, cujo líder acreditava na volta de Dom Sebastião para libertar o povo oprimido. O segundo, liderado por Silvestre J. dos Santos,1836-1838, também de inspiração sebastianista, foi descrito por Suassuna no Romance da Pedra do Reino. Um terceiro, ainda mais sangrento, ocorreu em Canudos, em 1993-1897, chacinando Antônio Conselheiro e fieis, que pregava a volta de Dom Sebastião para restaurar a monarquia, imortalizado por Euclides da Cunha em Os Sertões. Conselheiro dizia que “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Aliás, o sertão já foi mar e poderá voltar a ser com as mudanças climáticas.
Revoltado com o despotismo dos coronéis, que mataram seu pai, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, comandando 40 cangaceiros, matou e saqueou o sertão por 16 anos e foi morto pela Polícia em 1938 em Angico, SE. Sua cabeça e de 12 companheiros foram exibidas em Piranhas e outras cidades e no formol, durante 30 anos, no Instituto Nina Rodrigues.
Para o povo eles foram heróis, para outros bandidos. O sertanejo continua resistindo ao arbítrio e à discriminação. Viva o sertão!