Artigos de Jornal
Um gosto amargo de perda
As comemorações dos 100 anos de nascimento de Diógenes Rebouças com a
exposição de 80 telas dele no Museu de Arte do Estado e 70 anos do inicio dos
trabalhos do Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salvador com a
publicação do livro “Acervo do EPUCS, contextos, percursos, acessos” coordenado
pela Profa. Ana Fernandes não têm nada de pitoresco ou saudosista, senão de
protesto e denuncia.
Protesto do próprio Diógenes que abandona a profissão aos 50 anos ao ver os
rumos que a cidade tomava com a liberação do uso do solo e a pratica da
“arquitetura do m²” feita pelos corretores. Prevendo o urbanicídio de Salvador
ele procura resgatar em acrílico a cidade que ainda alcançou e que começava a
ser destruída. Durante dez anos ele reconstruiu 70 cenas de Salvador que seriam
publicadas em 1977 no livro “Salvador da Bahia de Todos os Santos no século XIX”
com notas de Godofredo Filho editado pela Odebrecht.
A exposição e seminários organizados pela Faculdade de Arquitetura da UFBA e
IAB-Ba são uma mostra da cidade que perdemos e o livro sobre o EPUCS da
regressão urbanística que sofremos. Cidades que foram destruídas na ultima
guerra foram reconstruídas para restaurar a autoestima de seus habitantes. Nós
fizemos a trajetória inversa, destruímos a cidade para criarmos a guerra da
segregação sócio-espacial, da violência e da imobilidade urbana. Não podemos
voltar à cidade perdida, mas podemos parar a barbárie e construir uma cidade
mais humana, que não seja apenas mercadoria.
O livro sobre o EPUCS é uma demonstração da seriedade e criatividade de um plano
feito em condições adversas de uma prefeitura falida e uma cidade estagnada, mas
com o norte no futuro. É também uma denuncia do pouco apreço de nossos alcaides
pelo planejamento. Dez anos de trabalho foram necessários para salvar fragmentos
de mapas, plantas, maquetes e textos feitos por uma equipe dedicada sob uma das
administrações mais desastrosas dessa cidade, que por não ter controle de nada
não se deu conta que a revelação daquele acervo colocaria como antagônicos o
EPUCS e sua administração.
O livro não chega a analisar o enorme volume de informações contidas nos
documentos elaborados por uma equipe multidisciplinar de urbanistas, arquitetos,
cartógrafos, topógrafos, sociólogos, demógrafos, médicos e botânicos. Era
preciso primeiro resgatar as fontes para que outros pesquisadores possam
mergulhar na sua analise. Mas o livro põe em cheque os processos arbitrários de
decisão pública e cria um referencial que se não for seguido no novo PDDU e Lous
os condena a ter o mesmo fim dos anteriores rejeitados pela população e anulados
pela Justiça.
O EPUCS foi uma das experiências mais avançada de urbanismo de seu tempo, quando
no Brasil ele ainda era praticado apenas por engenheiros sanitaristas. A equipe
sem descuidar dessas questões centrou seu trabalho nos questões sociais e
ambientais de Salvador. Infelizmente os estudos foram paralisados com a morte de
seu idealizador, Mario Leal Ferreira. O plano seria macaqueado vinte anos
depois, quando a cidade já havia dobrado de população e seu centro mudado para o
Iguatemi. As telas de Diógenes e o livro do EPUCS são apenas registros, mas nos
deixam um amargo no olhar.
SSA: A Tarde de 08/06/14