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Uma praça com nome de mulher

  • 05 de Maio de 2024

UMA PRAÇA COM NOME DE MULHER

Paulo Ormindo de Azevedo

Perto de minha casa há uma praça onde vou sempre caminhar. De um lado há só apartamentos e vans que vendem de tudo, mas já não se movimentam.  O outro lado da praça é um antigo conjunto do BNH, mas ninguém mais mora nele, todas as casas foram transformadas em restaurantes, bares e academias com música. A Praça Ana Lúcia Magalhães é como a vida, tem um lado prosaico e chato e outro alegre e festivo.

Durante muito tempo a praça foi um lamaçal e os vizinhos e os pássaros se encarregaram de arborizá-la aleatoriamente. No início da década de 1970 o prefeito e pastor, Clériston Andrade, mandou urbanizá-la e o construtor para homenageá-lo construiu num de seus cantos uma fonte de concreto em forma de uma Bíblia aberta, que nunca funcionou. É perto dela que costumo estacionar, onde há também um tabuleiro de frutas, cujo vendedor só vai para casa nos finais de semana.

À tardinha a praça se enche das novas famílias baianas, casais com um ou nenhum filho, mas sempre com um pet no colo, na coleira ou no carrinho de bebê. Seus donos são literalmente arrastados por eles. Os pets são os novos mediadores das relações afetivas. Eles se farejam e seus donos querem saber seus nomes, hábitos e como foi a fantasia do pet no carnaval. Daí resultam convites para participar do aniversário do pet e consequente desenvolvimento de novas relações sociais.

Sob a proteção da Bíblia a praça é tranquila, com grupos de capoeira, musculação e meditação, além de pula-pulas, bicicletas e carinhos de aluguel. Gosto de ver as crianças jogando amarelinha, bola e correndo em patinetes enquanto faço exercícios nos aparelhos de ginásticas. Quinzenalmente a prefeitura promove um mafuá na praça, com barracas de comida, artesanato, quinquilharias e ruidosas bandas de música. Nesses dias aparecem cavalos para crianças montarem, que adubam e perfumam de curral a praça.

A praça tem frequentadores habituais como evangélicos com seus livrinhos, vendedores de pipoca, churros e água de coco. O mais intrigante é um senhor de cabelo e barba branca, bem vestido, que senta em um banco vazio e ali permanece cabisbaixo ruminando pensamentos, sem se relacionar com ninguém. Parece ser um eremita, discípulo de Diógenes de Sinope, mas não dorme num tubulão abandonado, nem usa a lanterna do celular para procurar, em vão, um homem honesto, como seu colega grego. Talvez algum dia um jornalista consiga desvendar sua vã filosofia.

Volto ao carro e converso com o vendedor de frutas onde estaciono. Pergunto onde ele dorme, e ele responde: neste banco para não ser roubado. E quando chove? Me protejo na Bíblia. “A fé não costuma faiá”, mas você não se molha? Não, esta daqui é muito forte, de concreto, resiste até a chuva de granizo.

 

SSA: A Tarde, 12/05/2024


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