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Oropa, França e Bahia

  • 28 de Abril de 2024

Oropa, França e Bahia

Paulo Ormindo de Azevedo

Uso este provérbio, ironizado por Ascenso Ferreira e Drummond sobre a dependência externa e a alienação nacional, para intitular esta crônica. Fui a Portugal participar de um colóquio e estendi a visita à Itália, países em que fiz o doutorado no início dos anos 70. Retornei outras vezes, mas dessa vez o impacto foi enorme. Não há paralelo entre as cidades europeias reformadas durante os séculos XVIII e XIX, com suas avenidas largas, e as acanhadas cidades brasileiras sem planejamento. Seus rios foram domados e saneados com represas, dragagens e cais e não transbordam, como aqui, destruindo as casas dos mais pobres.

O que espanta é que nesses 50 anos a paisagem das cidades é a mesma e sua cultura urbana se desenvolveu, com museus, teatros e monumentos modernizados e os daqui estagnaram. Os centros históricos não estão em ruínas como os nossos. Se vive as cidades. Há bares e restaurantes nas calçadas, músicos tocando nas praças, sinos marcando as horas, feiras nos bairros, galerias com vitrines para se namorar e não os banais shoppings centers, espaços da exclusão, porque a rua passou a ser terra de ninguém, sem nenhuma segurança, criando-se um círculo vicioso. Tudo resultado do nosso ácido e persistente quadro social.

Cidades com redes integradas de transportes públicos, com trens que chegam até o centro, metrôs subterrâneos que atingem a periferia e na superfície, bondes articulados, rótulas e vias expressas para ônibus com piso baixo e táxis. Nem pensar nos viadutos, passarelas e no ultrapassado BRT que transformaram Salvador numa Frankenstein City, irreconhecível. Zebras em todas as quadras sem sinaleiras. Basta você descer do passeio para os carros pararem. Cidades para o cidadão e não para as máquinas e especulação imobiliária. Nas dinâmicas áreas centrais dessas cidades, os edifícios novos não ultrapassam os tradicionais. Torres só nas periferias, ligadas ao centro pelos metrôs.  

Mas nem tudo são flores. As cidades europeias estão invadidas por hordas de imigrantes e turistas que tornam os locais estranhos no ninho. Os mais velhos, que chegam a ser 50% da população, se refugiam em cidades menores. Há exclusão social, mas não na extensão e precariedade de nossas favelas. A Itália é um dos países que mais recebem sobreviventes que se aventuram no Mediterrâneo. Há um chauvinismo contra os imigrantes, alegando que eles roubam os empregos, mas não é verdade. Esses países precisam deles, porque os nacionais não querem mais trabalhar em serviços subalternos. Os turistas, se por um lado trazem divisas, por outro tiram a privacidade, congestionam e inflacionam as cidades.

No nosso caso, não é só a pobreza e dependência externa, é muita incompetência. Já tivemos trens, bondes, trólebus e um CH habitado. Tudo acabou. Nossos sôfregos dirigentes de direita e de esquerda são viajados, mas só apreendem a Oropa, e para eles desenvolvimento é só espigões, concreto e asfalto.

SSA: A Tarde, 28/04/2024 

 


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