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Desaprendi a escrever

  • 09 de Junho de 2024

DESAPRENDI A ESCREVER...

Paulo Ormindo de Azevedo

Fui alfabetizado pelo método de João Cabral de Melo Neto, em casa, com minhas duas irmãs, pela querida professora D. Lícia Bandeira. João Cabral era um poeta pernambucano, primo de Manuel Bandeira e Gilberto Freyre e escreveu Educação pela Pedra. Pois bem, fui alfabetizado pela pedra. Minha pedra era uma lousa de ardósia com uma moldura de madeira e um estilete do mesmo material amarrado com um cordão. Assim não se gastava papel, escrevia-se o bê-a-bá e o 2+2=4 e apagava-se com uma flanela.

Depois passei a escrever com lápis e borracha. Não peguei a caneta de pena de ganso, que ainda hoje representa a literatura. A caneta com pena de metal, que se molhava num tinteiro, era só para preencher o caderno de caligrafia. Não se podia fazer correções, no máximo, enxugar a escrita com um mata-borrão. As canetas evoluíram muito, viraram canetas tinteiro, que os snobes ainda hoje usam da marca caríssima Montblanc. Mas avanço mesmo foram as esferográficas, cujas melhores são as BIC de tostão. A Montblanc lançou recentemente uma esferográfica ao preço promocional de R$3.500,00 e tem fila para comprá-la. Tem besta para tudo.

Nunca consegui usar as máquinas de escrever que, como as canetas, cristalizavam a escrita. Eu continuava escrevendo com lápis e borracha e quando tinha que apresentar um texto formal levava para as irmãs Loureiro, datilógrafas, lá na Sé. O computador foi para mim a salvação. Aprendi a digitar com dois dedos, salvar uma frase na memória e aplicar em outro local. Passei a raciocinar de outra maneira. Escrevia o que me vinha à cabeça e depois reordenava tudo. Em trabalhos acadêmicos as notas de rodapé iam para onde ia a citação, uma maravilha.  

Acontece que meu notebook parou há uma semana e mandei para a assistência técnica. Fiquei desesperado, pensando que ele poderia ter travado a memória. Tinha obrigação de escrever a crônica para este jornal e não conseguia. Escrevia uma frase e apagava, tentava outras vezes e a mesma coisa. Entrei em pânico, havia desaprendido a escrever. Uma verdadeira paralisia cerebral. No sábado, já imaginando o tormento de ter mais um final de semana sem esse instrumento em que depositamos todos os nossos pensamentos e sentimentos e que vicia mais que o cigarro ou a cerveja, recebi um telefonema às 11:45 hs. dizendo que o notebook estava pronto. Sai alucinado para pegar o aparelho. Chegando lá o técnico me disse, fleumaticamente, trocamos sua memória.

- A minha memória, vocês estão loucos? É o registro da minha vida nos últimos 30 anos, desde quando eu comprei meu primeiro PC. Sabe o que é perder a memória, além de ter desaprendido a escrever? Quase desmaiei!. O técnico me deu uma cadeira e um copo d’água e me disse, fique tranquilo, foi só a memória SSD, que controla o sistema operacional. O senhor não vai ficar com Alzheimer e pode voltar a aprender a escrever. Ainda bem !

SSA; A Tarde, 09/06/2024


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