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A enchente do Rio Grande

  • 26 de Maio de 2024

A ENCHENTE DO RIO GRANDE

Paulo Ormindo de Azevedo

Foram chuvas excepcionais, sem dúvida, mas demonstraram a deficiência do nosso modelo de urbanização e de defesa civil. Não houve nenhum alerta das enchentes que possibilitasse às pessoas saírem de suas casas levando seus documentos, animais e aparelhos mais valiosos. Mesmo em regiões serranas morreram muitas pessoas com deslizamentos de terra. Curiosamente em cidades vizinha do Uruguai e da Argentina sujeitas ao mesmo fenômeno meteorológico e banhadas por alguns dos mesmos rios não se têm notícia de alagamentos, soterramentos e mortes. Por que? Por que?

Não foi uma surpresa. Em praticamente todas as regiões do país ocorrem catástrofes semelhantes todos os anos. Em 2011, na serra fluminense morreram 918 pessoas. No início do ano de 2022, nos 775 deslizamentos de terra em Petrópolis morreram 241 pessoas. Catástrofe semelhante ocorreu no litoral norte de São Paulo no ano passado. Os prejuízos são imensos e a população mais pobre é a que mais sofre porque é empurrada para terrenos sujeitos a esses acidentes pela especulação imobiliária. Este é o modelo de urbanização perversamente discriminatório de nossas cidades.

Se houvesse planejamento urbano, com a criação de parques e praças para absorver a água, mapeamento de áreas geologicamente instáveis e inundáveis, interdição da ocupação delas e promoção de loteamentos populares, não morreria ninguém, nem seria derrubada uma só casa. O planejamento foi banido no nosso país, em todos os seus níveis, porque ele contraria os interesses privados míopes. Fazer infraestrutura urbana não interessa às nossas autoridades, porque toda ela é enterrada e invisível. Melhor fazer o circo, brilhante e ruidoso.

Os efeitos danosos deste dilúvio gaúcho poderiam ter sido menores se houvessem sido preservadas as matas, especialmente ciliares, desassoreados os rios e realizadas obras de infraestrutura territorial, como represas, canais de drenagem, estações de bombeamento e estabilização de encostas pelos governos federal e estadual. Aqui no Recôncavo, Cachoeira e São Félix eram inundadas anualmente antes da construção da Represa de Pedra do Cavalo. O mesmo se passava no Recife e deixou de ocorrer com a construção de represas, que servem também para abastecer de água às cidades próximas, gerar energia, irrigar a agricultura e criar peixes.

Infelizmente nada disto vai ser feito, com a política do estado mínimo. Mais pessoas e animais vão morrer, casas e estradas vão ser refeitas, pontes vão ser reconstruídas iguaizinhas, e as enchentes dos rios grandes vão se repetir com mais frequência. Não aprendemos a lição, mas ela servirá como advertência sobre a elevação do nível do mar com a nova glaciação que se aproxima. Queira Deus que a pomba volte com um ramo de oliveira ou de alecrim no bico.

SSA: A tarde, 26/05/2024


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