Artigos de Jornal
São João no interior e na capital
SÃO JOÃO NO INTERIOR E NA CAPITAL
Paulo Ormindo de Azevedo
Amanhã é dia de São João. Não vou armar fogueira, como sempre faço, nem fazer a ronda nos bairros populares para ver a festa, tema de uma crônica minha de 2017 neste jornal. Estou no Rio de Janeiro, onde o São João é muito diferente do Nordeste, festejado tradicionalmente em Salvador, Caruaru, Campina Grande e São Luiz e no interior. Mas este vazio me faz voltar ao passado.
Era todo um mês de festas religiosas, gastronômicas e licorosas que católicos e ateus curtiam. Começava no dia 1º de junho com a trezena de Santo Antônio, que tinha um patrono da família para cada dia, responsável por organizar os comes e bebes. O ofício começava com a oração do dia e terminava com a ladainha cantada. Para os participantes, a parte mais gostosa eram os petiscos de milho, frutas cristalizadas e licores.
O São João era a grande festa junina, com fogueiras, fogos, quadrilhas e balões. A preparação da festa começava com a confecção de fantasias para as meninas, bandeirolas, balões e o ariar do tacho de cobre, com cinza e limão, para tirar o azinhavre, o óxido de cobre venenoso. Nele se preparava a canjica que depois de pronta era repartida em pratos fundos e depois de fria decorada com desenhos geométricos de canela coada num estêncil de papel de seda.
Morávamos numa casa na Barra Avenida, com uma roça no fundo, onde minha mãe fazia uma festa do interior, decorando o quintal com bandeirolas e armando uma fogueira. Nela se assava o milho, a batata e espetos de carne. Não era uma festa só da família, eram convidados também vizinhos e nossos colegas do interior. Minha mãe adorava fazer e soltar balões. Eu fazia as bocas de arame e as buchas de bagaço de coco. Para soltar um balão eram necessárias oito pessoas, seis para abrir os panos do balão e mais duas para colocar a bucha e riscar o fósforo. O balão subia vertical acima das mangueiras e então pegava a viração, a aragem do Atlântico, passando lentamente sobre a Ladeira da Barra em direção à Baia de Todos os Santos, indo pousar em suas águas. Muitos comerciantes falidos costumavam tocar fogo em seus sobrados no São João e colocavam a culpa nos balões para receber o seguro.
O São Pedro, dia 29 de junho, era uma festa itapagipana, bairro de pescadores. Íamos até lá, ver as fogueiras e as quadrilhas nas portas das casas. Sentávamos na areia do Bogary para ver balões pousarem em suas águas tranquilas e se apagarem como as festas juninas. Tão diferente das festas juninas atuais com shows pagos e cantores vestidos de cowboys. Mas as coisas findas/ muito mais que lindas,/ essas ficarão (Drummond). Hoje ainda ecoam na minha memória os sons das ladainhas e do Cai, cai balão na minha mão e me arde aquela fogueira/ Que me esquentava (e esquentará) a vida inteira/ Eterna noite sempre a primeira/ Festa do interior (Moraes Moreira).
SSA: Tarde, 23/06/2024