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Um bonde chamado desejo

  • 14 de Abril de 2024

UM BONDE CHAMADO DESEJO

Paulo Ormindo de Azevedo

Estava eu à noite lendo uma notícia de jornal sobre um novo modal que querem implantar em Salvador, quando adormeci e sonhei com esse filme de 1951, inspirado na peça teatral do mesmo nome de Tennessee Williams, de 1947. No filme, dirigido pelo genial Elia Kazan, como na peça, uma mulher frágil e neurótica, Blanche DuBois, vivida pela bela Vivien Leigh no filme, que seduziu um menor em sua cidade e foi expulsa pela comunidade, não tendo para onde ir, foge para a casa de sua irmã em New Orleans onde inferniza a vida dela e do cunhado Stanley, brutamonte vivido por Marlon Brando, e de outros parentes e vizinhos. A peça e o filme são o retrato de uma sociedade decadente.

Inicialmente não via relação da notícia de jornal com o filme, que no Brasil foi exibido como Uma Rua Chamada Pecado. Mas pouco a pouco fui descobrindo que a Rua Chamada Pecado era muito parecida com a Avenida Suburbana, onde uma autoridade chegou infernizando a vida de milhares de pessoas que viviam tranquilamente naquele subúrbio, arrancando os trilhos do trem. Para aplacar a ira de seus eleitores, aquela autoridade anunciou que iria botar um monotrilho e não botou. Finalmente agora quer botar um VLT, Veículo Leve sobre Trilhos, seminovo, de Cuiabá. Freud e Alain Kardec têm razão, há muitos espíritos psicografando as nossas mentes.

Ora o VLT é o tradicional bonde que nunca desapareceu das cidades europeias - outra semelhança com a peça teatral - agora aperfeiçoado. Veículo cuja sua maior virtude é ser amigável com os pedestres, carros e ônibus. Como o nome indica não é um transporte de massa, tem uma capacidade pouco maior que a dos ônibus bi articulados que rodam em outras capitais. Na Suburbana ele rodará numa via exclusiva sem compartilhar com outros modais, sua principal virtude. Em pouco tempo ele estará obsoleto, como demonstram os apinhados trens suburbanos do Rio, São Paulo e outras grandes cidades. O VLT seria ideal para ser usado da Avenida Sete de Setembro para alimentar o metrô, podendo ir até a Barra, que não tem densidade para um metrô. Ou em Itapagipe chegando até o Comércio e em lugar do BRT aéreo das avenidas ACM e Vasco da Gama, que não serve para nada.

Quando o Governo Federal promete financiar um trem veloz de passageiros de Salvador para Feira de Santana o ideal seria que ele partisse da estação da Calçada. Mas o VLT na Suburbana só vai complicar as coisas, pois ele usa uma bitola que não é compatível nem com a bitola ferroviária métrica nem com a nova de 1,60m. Sem planejamento, o estado parece estar à deriva se agarrando a qualquer novidade flutuante. O VLT do subúrbio é apenas um objeto de desejo. Por incrível que pareça, esse projeto é uma peça de teatro datada de meados do século passado: A streetcar named desire, Um bonde (VLT) chamado desejo.

 

SSA: 14/04/2024


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