Artigos de Jornal
Voce já foi a Bahia> Não, então vá... Correndo
Em “Delicias do mundo civilizado”, A Tarde 13/06/2015, o Prof. Luiz Mott
exalta a qualidade dos serviços das cidades europeias: transportes públicos,
calçadas, segurança urbana, visitas guiadas a monumentos, concertos gratuitos em
igrejas e respeito pelo silencio observada em viagem a Madrid, Roma e Paris.
Qualidade de vida citadina que pode ser resumida na palavra urbanidade.
Sutilmente Mott expõe uma alteridade para mostrar que não somos civilizados. De
fato, quando comparamos aquelas cidades com a nossa Salvadolores com ruas
alagadas nas chuvas, ônibus com chassis de caminhão e torniquete, passeios
esburacados, lixo pelas sarjetas, assaltos e execuções sumárias, monumentos
escorados, muvuca e shows ao som de 120 decibéis que estremecem até surdos
chegamos à conclusão que deixamos de ser civilizados. Perdemos a urbanidade
cantada por Caymmi, Jorge Amado e Ari Barroso.
Fiquei pensando, deve ser resultado da combinação da pressão do tríplice cartel
da especulação imobiliária, dos buzus e do lixo com a pouca educação de nossos
excluídos sociais. Mas refletindo melhor pensei, naquelas cidades europeias têm
máfias mais poderosas que as brasileiras e imigrantes tão mal-educados quanto os
nossos excluídos. Tampouco Marx conseguiria explicar. Aqui como lá vivemos sob o
mesmo capitalismo monopolista. Deve haver alguma explicação que não consigo
captar. Mas há em nossa cidade uma prática de ereções precoces de concreto
armado que nem Freud explica.
Não se fazem mais avenidas térreas que dialogam com o cidadão, como a Oceânica,
a Centenário e o Corredor da Vitória, senão vias elevadas que segregam, sem
arborização, vedadas a pedestres e ciclistas. A chamada Via Expressa é um
estrupo urbano. Onde bastava um túnel foram feitos quatro e os edis prometem
mais dois se a ponte Gabrielli for algum dia construída. Antonio Carlos
Magalhães reformou pela metade Salvador, mas fez vias com canteiros centrais
generosos. Estes canteiros serão destruídos em breve por obras públicas que
poderiam ser menos impactantes e respeitosas da beleza local e tolerância de
nosso povo.
Eu e colegas arquitetos e engenheiros temos sugerido alternativas para estas
obras, que as autoridades não ouvem. Mas ficarão advertências previas
registradas nos jornais. Fazemos urbanismo de resistência, como diz o Prof.
Heliodório Sampaio, e a cabeça de muita gente, inclusive do governo. Vi
recentemente nos jornais a maquete de uma das estações de transbordo que será
construída na Paralela. É uma caixa de sapatos gigante. Em nenhuma cidade do
mundo se permitiria construir uma coisa tão monstruosa numa área verde.
Sintomaticamente, na noite seguinte à leitura do artigo de Mott tive um
pesadelo. Vi um trem passando no Champ Elysees em Paris, a construção de um
“complexo viário” em dois níveis no Times Square e o recobrimento de canais de
Amsterdam para instalação do BRT. Numa mesa redonda na TV os prefeitos daquelas
cidades acompanhados de empreiteiros brasileiros diziam que eram obras padrão
FIFA, que iriam facilitar o trafego e criar milhares de empregos. Acordei
atordoado, olhei pela janela e me dei conta que estava na Bahia de Otavio
Mangabeira.
SSA: A Tarde, 21/06/15