Artigos de Jornal
O Pelô no pelourinho
Estou na Espanha participando da reunião do Comitê Cientifico da Rede
Patrimônio Histórico Ibero-Americano, da Universidade Politécnica de Madri. No
ano passado, na Guatemala, propus como tema deste seminário “Habitar o
patrimônio” e os colegas ibero-americanos acataram, sem pestanejar, a proposta.
A ideia é analisar os problemas que enfrentam os moradores dos Centros
Históricos, geralmente pouco considerados por seus administradores. Na Espanha e
na maioria dos países latino americanos, os CH são levados a sério.
Para mostrar o que ocorreu no nosso CH, nos 58 anos em que está tombado, foi
criado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA o
subgrupo Observatório do Centro Antigo de Salvador, que reúne professores e
pós-graduandos do programa, coordenado por este escriba e pela Profa. Márcia
Sant’Anna. Reunimos um grande número de dados dispersos em repartições federais,
estaduais e municipais sobre investimentos públicos e privados, propriedade e
uso do solo e aplicamos 11 questionários em associações de moradores, além de
entrevistas com os principais protagonistas do CH.
Os algarismos são alarmantes. De meados de 1970 até hoje foram investidos no CH
– pasmem - cerca de USD$ 255 milhões. Apesar disso, a população local foi
reduzida à metade. Em 1991, eram de 11.947 pessoas, e em 2010 baixou para 5.985.
A Defesa Civil contabiliza, hoje, 1400 imóveis em estado de risco. A diretoria
do IPAC diz que 40 de seus imóveis estão desocupados e 300 inquilinos são
inadimplentes, com uma dívida de R$13 milhões (A Tarde, 09/09/17). Outros tantos
são devidos de impostos pelos comerciantes. Muitos estudos foram feitos, mas as
decisões políticas não se basearam em estudos. Alguns dos erros mais gritantes
foram: a retirada das atividades centrais, a exclusão dos moradores, em 1992, a
estatização do estoque habitacional e a precarização da infraestrutura de
mobilidade e acesso. Um imóvel só é conservado se seu ocupante for o dono. Cerca
de 511 sobrados estão na mão do estado (307) e de irmandades religiosas (204).
As reivindicações corretas da comunidade são: moradia e requalificação
profissional.
A Prefeitura, sempre ausente desse processo, anuncia agora uma série de
investimentos. A melhor proposta é a instalação de sua administração em
edifícios desocupados do Comercio. O Estado, por seu turno, anuncia a criação de
um distrito criativo no CH, como fez Recife há 40 anos. Mas perdura a
desarticulação das políticas dos governos federal, estadual e municipal e a não
participação da comunidade. Vamos cotejar nossos dados com os de outros de
países, como Peru, Colômbia e Equador, que enfrentaram com sucesso esse desafio,
e buscar apoio para os movimentos sociais que lutam pela requalificação do CH,
nosso maior ativo.
SSA: A Tarde, 8/10/17