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Um trio de cantadores encantados

  • 31 de Dezembro de 2017

Eles vieram do Nordeste procurando uns retirantes que arribaram na cidade há alguns dias. Era um casal que não conseguia hospedagem porque não tinha documentos e se vestia com roupas rasgadas, não de boutique, mas de brechó: o marido, um desempregado, sem RG nem INSS, a esposa, uma menor prenha de nove meses. Na ultima pensão, o dono disse que sem documentos eles não seriam aceitos nem na zona e o melhor era dormirem num curral ali perto, de graça. Cansados, aceitaram a sugestão. Deitaram-se numa esteira de babaçu e o marido pensou: - pela manhã ordenho uma vaca e quebro o jejum de minha pequena. Mas naquela mesma noite a esposa entrou em trabalho de parto e Zé Carapina lamentou que a sogra, sinhá Santana, não estivesse ali para ajuda-lo. Por instinto pegou um cacumbú que levava no gibão e cortou o cordão umbilical de Emanuel, que acabara de nascer.

Logo a noticia do nascimento de um bacuri, que faria maravilhas, se espalhou pelas feiras. Belchior, cantor tido como maldito, montou na moto, já que haviam matado todos os jericos e éguas do sertão, para pedir ao menino a mudança de sua sina. Na estrada encontrou Baltasar, um cabra tocador de zabumba e triângulo, que viajava numa cinquentinha. Numa noite escura, o pneu de uma das motocas furou, foi quando apareceu como um fantasma um rapazola enrolado num lençol. Ele perguntou o que aconteceu, cobriu a moto com o lençol, disse abracadabra, soprou e o pneu se encheu. Os dois se assombraram, mas ele os tranquilizou dizendo que ele era só aprendiz de magia, malabar e astrologia. Como eles se baratinavam nas trilhas da catinga, pediram ao estranho para orientá-los. Gasparzinho olhou para o céu, viu uma “nova” e disse que era naquela direção e os acompanharia na boleia. Nas vilas em que passavam, o trio fazia sucesso tocando, cantando e ilusionando, eram os Reis do Forró Encantado.

A estrela os levou à mansão do coronel que dominava, há 40 anos, a terra bendita do círio, um cabra aloprado, que ouvira falar do menino e temia que ele tomasse seu posto. Queria mandar seus lobos-maus matar as criancinhas do pedaço. Perguntando a um e a outro o trio chegou a um igarapé, nos afora de Belém, onde já havia pastores, ovelhas e um boto rosa. Belchior ofereceu ao casal um pé de meia com cruzados e reais, Gasparzinho, que encantou o bacuri com malabarismos, deu ao pai um incensador de girar no ar, e Baltasar presenteou um unguento de sebo de carneiro para as assaduras e cinco panos de linhagem para servirem de fraldas. Começaram então a tocar, cantar e fazer voar tochas de canela-de-ema pelo ar. As pastorinhas se enfeitaram com flores de bonina e começaram a cantar e a dançar. Assim nasceu o Terno de Reis.

SSA: A Tarde, 31/12/17


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