Artigos de Jornal
Um trio de cantadores encantados
Eles vieram do Nordeste procurando uns retirantes que arribaram na cidade há
alguns dias. Era um casal que não conseguia hospedagem porque não tinha
documentos e se vestia com roupas rasgadas, não de boutique, mas de brechó: o
marido, um desempregado, sem RG nem INSS, a esposa, uma menor prenha de nove
meses. Na ultima pensão, o dono disse que sem documentos eles não seriam aceitos
nem na zona e o melhor era dormirem num curral ali perto, de graça. Cansados,
aceitaram a sugestão. Deitaram-se numa esteira de babaçu e o marido pensou: -
pela manhã ordenho uma vaca e quebro o jejum de minha pequena. Mas naquela mesma
noite a esposa entrou em trabalho de parto e Zé Carapina lamentou que a sogra,
sinhá Santana, não estivesse ali para ajuda-lo. Por instinto pegou um cacumbú
que levava no gibão e cortou o cordão umbilical de Emanuel, que acabara de
nascer.
Logo a noticia do nascimento de um bacuri, que faria maravilhas, se espalhou
pelas feiras. Belchior, cantor tido como maldito, montou na moto, já que haviam
matado todos os jericos e éguas do sertão, para pedir ao menino a mudança de sua
sina. Na estrada encontrou Baltasar, um cabra tocador de zabumba e triângulo,
que viajava numa cinquentinha. Numa noite escura, o pneu de uma das motocas
furou, foi quando apareceu como um fantasma um rapazola enrolado num lençol. Ele
perguntou o que aconteceu, cobriu a moto com o lençol, disse abracadabra, soprou
e o pneu se encheu. Os dois se assombraram, mas ele os tranquilizou dizendo que
ele era só aprendiz de magia, malabar e astrologia. Como eles se baratinavam nas
trilhas da catinga, pediram ao estranho para orientá-los. Gasparzinho olhou para
o céu, viu uma “nova” e disse que era naquela direção e os acompanharia na
boleia. Nas vilas em que passavam, o trio fazia sucesso tocando, cantando e
ilusionando, eram os Reis do Forró Encantado.
A estrela os levou à mansão do coronel que dominava, há 40 anos, a terra bendita
do círio, um cabra aloprado, que ouvira falar do menino e temia que ele tomasse
seu posto. Queria mandar seus lobos-maus matar as criancinhas do pedaço.
Perguntando a um e a outro o trio chegou a um igarapé, nos afora de Belém, onde
já havia pastores, ovelhas e um boto rosa. Belchior ofereceu ao casal um pé de
meia com cruzados e reais, Gasparzinho, que encantou o bacuri com malabarismos,
deu ao pai um incensador de girar no ar, e Baltasar presenteou um unguento de
sebo de carneiro para as assaduras e cinco panos de linhagem para servirem de
fraldas. Começaram então a tocar, cantar e fazer voar tochas de canela-de-ema
pelo ar. As pastorinhas se enfeitaram com flores de bonina e começaram a cantar
e a dançar. Assim nasceu o Terno de Reis.
SSA: A Tarde, 31/12/17