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Salve Carlos Lacerda!

  • 23 de Agosto de 2020

Não o jornalista polêmico, dono do Tribuna da Imprensa, que metralhava todo mundo, pivô do suicídio de Vargas, político e governador da Guanabara, construtor do belo parque do Flamengo, que os preservativos ambientais, de hoje, não permitiriam. Lacerda apoiou a Gloriosa, mas depois, se arrependeu. Poucos meses depois de romper com os militares, membros de sua Frente Ampla para a redemocratização, como Jango, Juscelino e ele próprio tiveram mortes “naturais”, num período de nove meses, muito suspeitas.

Quando ainda existia arborização nas ruas de Salvador, seus fícus foram infestados por um inseto microscópico que quando caia nos olho ardia como pimenta. Logo o povo o apelidou de “lacerdinha, porque não mata, mas incomoda como corno”. Este substantivo, dada à frequência de sua ocorrência, passou a ser advérbio quantitativo. O inseto foi o pretexto para o prefeito de turno mandar cortar todas as arvores da cidade, nosso primeiro arboricídio.

Salve o outro Carlos Lacerda, grande músico baiano. O conheci porque era amigo de Chiquinho Ferreira, também pianista, filho de Dona Sansão, aparentada nossa. Lacerda tocava piano de ouvido, mas quando da criação dos Seminários Livres de Música se tornou aluno e amigo do Prof. Yullo Brandão. Ele tinha um pendor natural para a dramaturgia e logo virou estrela na recém-criada TV Itapuã, com seus arranjos musicais cenográficos, com escalas musicais de tirar o fôlego, correndo a unha ao logo do teclado para culminar com acordes estrondosos, acompanhados de agitos das madeixas. Chegou a ter uma orquestra com 30 músicos de sopros, tripas e surdos. Como seu homônimo, era vaidoso, com cabeleira de Castro Alves óculos vistosos e sua marca registrada: suéteres de caxemira com gola rolê, para evitar constipações.

Lacerdinha, para os íntimos, tinha fino senso de humor. Quando excursionava, gostava de mandar para os amigos cartões com afagos como se fossem de famosos compositores locais. Um de seus alvos prediletos era o seu parceiro musical, o eminente Juiz do Trabalho Carlos Coqueijo Costa, que cansado de tantos fake news já não abria seus envelopes e os jogava no lixo.

Quando da reinauguração do Castro Alves trouxeram à Bahia o movie star Henre Mancini, e para homenageá-lo Lacerda fez um arranjo tão criativo da Marcha do Elefantinho, trilha do filme Hatari, que quase não se reconhecia o original. Em retribuição, no final da homenagem, Mancini restaurou a melodia original no piano com uma só mão, para o delírio da plateia. Ele não gostou da brincadeira, mas não disse nada.

Estando no Rio de Janeiro, Carlos Coqueijo quis conhecer pessoalmente  a dupla Vinícius e Tom Jobim. Foi a um seu show e se apresentou, no camarim, perguntando se eles haviam recebido um cassete que ele enviou. Ah Carlos Coqueijo! Recebemos sim, e gostamos muito. Até lhe convidei para fazermos juntos arranjos instrumentais de algumas de suas músicas, disse Jobim. Mas você não me respondeu e agora, infelizmente, estou partindo para os States !   


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