Artigos de Jornal
Aromas e sabores de outrora
Um dos ramos da antropologia que mais tem se desenvolvido nas últimas décadas é o referente à gastronomia associada a rituais religiosos, hábitos sociais, dietas e tabus. É lamentável a mudança alimentícia de nossa população, que de uma culinária riquíssima foi reduzida a hambúrgueres e batatinhas salgadas, que são consumidos nos carros ou no metrô. A cozinha baiana de matriz africana e portuguesa era feita em casa. Poucos eram os restaurantes que ofereciam estas comidas, salvo o Porto do Moreira, no Cabeça, a Gruta Azul, em Cachoeira, e o novo Dona Mariquita, no Rio Vermelho, mas com poucas opções.
Onde comer hoje o efó, a maniçoba, o bobó de fruta-pão, a quenga de galinha, o sarapatel, o meninico de carneiro, a buchada, o mocotó, a farofa de bambá e o acaçá? Faltam inclusive os ingredientes para prepará-los, como a casa de abelha e o livro das fateiras, a tripa de porco limpa com varinha, a taioba, o bredo, o biribiri, e os condimentos dos verdureiros sergipanos: coentro, manjericão, hortelã, alecrim e pimenta de cheiro. É mais simples usar os caldos em cubinhos, o molho inglês, o ketchup e o aji-no-moto, que recupera o sabor de carnes sentidas.
Comidas que eram precedidas da olorosa caninha ou de batidas de frutas, hoje apenas inodoras roskas. Refeições regadas a aluá fermentado, umbuzada com leite, abacatada, vitaminas de frutas e clorofila substituídas pela Coca Cola. Também as sobremesas desapareceram, como os bolos de carimã e de estudante, ou punheta, os doces de abóbora cristalizada no cal e o de tamarindo agridoce, a goiabada cascão, a bananada na folha seca, o alferes, a à moda, o quebra-queixo de coco e de amendoim, a rapadura puxa e o mel de cana com farinha. Basta o flan da Nestlé.
Quem não quisesse doce, podia se lambuzar com as mangas de Itaparica: carlota, espada, rosa, augusta e papo de rola. Podemos hoje escolher entre Tommy e a Palmer. E que dizer da jaca, cujo parto de seus bagos se fazia por cesariana deixando sua placenta em nossos dedos, a mexerica e o indelével visgo da mangaba e do sapoti. Hoje a classe média prefere a maçã, a pera e os morangos e belisca, às escondidas, as nossas frutas. Nunca vi nos supermercados a jaca de pobre, a fruta do conde, a ada e o araticum, a pitanga, a groselha, a sapota, o mané velho, o ingá, a romã, o bacupari, a pitomba, o jamacaru da catinga e os rosários de oiricuri. Mas ganhamos frutas exóticas, como o kiwi, a pitaya e a lichia.
A indústria de alimentos não cansa de inovar. João Dória, quando prefeito de S. Paulo, lançou o programa social “Alimento para todos”, que consistia na distribuição de uma ração liofilizada, balanceada e inodora para famílias carentes, que podia ser ingerida a seco ou com um gole de água, mas que não apetecia nem a cachorros, nem a ratos.
Comida é cultura e quando se perde seus aromas e sabores se perde também o viço e o visgo de uma sociedade.