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Um sol minguante numa bacia

  • 03 de Outubro de 2021

O confrade Ruy Espinheira em artigo neste jornal, de agosto passado, me fez recordar um dos eventos mais fantásticos da minha meninice. Na primeira metade do século XX, ocorreram dois eclipses totais do sol cujas observações no Brasil mudariam a ciência mundial. Às 9:00 hs. de 25/05/1919 o dia escureceu no sertão do Ceará. Os catingueiros pensando que o mundo ia acabar correram para as igrejas ou para debaixo das camas. Um mês antes havia chegado à Sobral uma expedição da Royal Astronomical Society chefiada por Arthur Eddigton com telescópios e câmeras de alta precisão. O objetivo da missão só foi revelado algumas semanas depois de seu sucesso.

Os astrônomos do Observatório Nacional, sem saber o que eles queriam provar, ficaram a observar a coroa solar. Era um teste da teoria da Relatividade Geral de Einstein que um raio de luz poderia ser desviado ao passar por um campo gravitacional forte, como o do sol. Bastaria comparar uma foto do céu numa noite normal com outra durante o eclipse total e medir o deslocamento da imagem da estrela mais próxima do sol negro. Durante 6’51”, o dia virou noite em Sobral e foi possível tirar dezenas de fotos e comprovar a teoria.

 A segunda experiência ocorreu às 9:34 hs. do dia 20/05/1947 e foi também cercada de mistério. O epicentro do eclipse foi o distrito de Extrema em Bocaiuva, MG. Os americanos chegaram um ano antes, construíram estradas, uma pista para aviões que trouxeram 75 toneladas de equipamentos, 80 cientistas e técnicos e dezenas de jornalistas. A expedição era liderada pelo físico Lyman Briggs, precursor do projeto Manhattan da bomba atômica americana. Uma Fortaleza Voadora B-17 fotografou e filmou o eclipse na estratosfera. Em Salvador o eclipse foi também total e durou pouco menos que os 3’ 48” de Bocaiuva. Um navio russo ancorou em Aratu para observar o fenômeno. Por que tudo isto, se a teoria de Einstein já havia sido comprovada 28 anos antes?

Eu e meus irmãos e irmãs, meninos, pudemos observar maravilhados a partir das 8:20 hs. o sol escurecer. Os passarinhos voltavam em algazarra aos ninhos, e quando escureceu mais, o chão do jardim da nossa casa foi povoado de imagens de luas novas que baixavam das copas das mangueiras. Não podíamos olhar diretamente o sol, mas a imagem de sol minguante podia ser observada refletida na água de uma bacia, ou vista com vidros esfumaçados e pedaços de chapas de raio X. Quando às 9:38 hs.o dia começou a clarear os galos entraram em rede para saudar o arrebol.

O mistério só foi revelado em 2012, quando o Prof. Heráclio Tavares, da UFRJ, pesquisando em arquivos americanos descobriu que a expedição de 1947 estava ligada à precisão de alvos de mísseis intercontinentais. Estava começando a Guerra Fria. Nós, qual maridos traídos, éramos os últimos a saber. 


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