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O Centro Antigo já foi assim

  • 01 de Maio de 2022

Ainda estudante de arquitetura, estagiei na Construtora de Lô Costa Pinto, na Rua Chile, e no escritório de Diógenes Rebouças, no Comércio. Formado, tive escritório no Comércio. O CH tinha uma enorme vida social. Dispenso falar sobre a Rua Chile, o grande fórum da cidadania e seus belos magazines, pois todos da minha geração a conheceram. O Comércio era um bairro masculino, mas se podia sentir o perfume de algumas jovens esculturais, secretárias dos oligarcas baianos. Ai de algum de nós que se aproximasse delas. 

Os maiores bancos tinham sedes suntuosas, como o BB, da Bahia, Econômico e do Nordeste. Havia restaurantes exclusivos, como o do Clube do Comércio, no ultimo andar do B. da Bahia, que fui uma vez a convite de Rebouças, charmosos como o Caravelle, no subsolo da ACB, e de comida baiana, como os de Camafeu de Oxossi e o de Maria de S. Pedro, onde almoçaram Sartre e Simone com Jorge Amado, no Mercado Modelo. Eu me contentava com o suculento sanduíche de pernil do Manolo e o trivial almoço do Colon.  

Por que tudo isto acabou? Porque o CH foi esvaziado de suas funções centrais com a criação do CAB e habitacional do Pelourinho , com o shopping a céu aberto, tudo na base do achismo autoritário. Na última semana, mais dois prédios foram destruídos no Comércio. Em 2015 foram demolidos 30 prédios na mesma ladeira com a aprovação do IPHAN. Centenas de outros imóveis aguardam o mesmo fim na Praça Cairu e ruas Corpo Santo, Taboão e Pilar. Segundo a Defesa Civil são 1.400 em ruínas ou periclitantes no Centro Antigo. Não conheço nenhum desastre urbano igual a este em qualquer parte do mundo. É a necropolítica patrimonial, de transformar monumentos em baldios para a especulação imobiliária.  

Não faltam projetos, como o da F. de Arquitetura da UFBA com a Conder de habitação popular para o Pilar e Taboão ou da FMLF para instalar o C. Administrativo Municipal e habitação para seus funcionários, no Comércio, mas nada sai do papel, porque falta vontade política. Em proposta para a FMLF e em artigos tenho demonstrado que os problemas centrais do CH são a acessibilidade e o repovoamento com programas habitacionais para a baixa renda, que produz a cultura popular do Pelourinho. As classes média e alta jamais irão morar em sobrados sem garagem, play round e com alcovas com janelas para um poço.  

A transformação do Comércio em um bairro misto de habitação e serviços requer grandes investimentos em saúde, educação e lazer. Sua grande chance de desenvolvimento seria se abrir para o mar, como fizeram Londres, Nova York, Buenos Aires, Manaus e Rio de Janeiro. Mas construíram um monstrengo de Terminal de Cruzeiros no início do Comércio que tornou toda a frente marítima da cidade fechada para a BTS. Não se recuperará o Centro Antigo apenas com a disneyzação do Pelô e hotéis de luxo mirando a BTS. 

 


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