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Valores

  • 26 de Junho de 2022

Com o controle da natalidade, as famílias em todo o mundo e classes sociais ficaram reduzidas a um filho, no máximo dois, e um ou dois pets. Com isto há uma inversão da pirâmide populacional que cria graves consequências nos sistemas de seguridade social. China e Índia, que durante anos adotaram políticas de filhos únicos ou esterilizações em massa, tiveram que voltar atrás. 

Os pets, anglicismo pernóstico que designa filhotes, passaram a preencher o vazio de afetividade da maioria dos casais com ou sem filhos, viúvos e membros da comunidade LGBT. Criou-se assim um próspero negócio com shoppings que vendem casinhas populares e palacetes como a Casa Branca, berços, carrinhos, enxoval, sapatilhas, brinquedos, adereços e joias, rações, iguarias e guloseimas para esses animais. Há hotéis, colônias de férias, cemitérios, salões de beleza, hospitais, e clinicas que aplicam vacinas, escovam dentes, medicam, operam e praticam a eutanásia em animais terminais.  

Jornais dedicam páginas inteiras semanais aos pets. Companhias de aviação e hotéis têm planos para famílias com pets. Ouço pelo rádio propagandas de hospitais veterinários que oferecem tomógrafos, câmaras isobáricas e outros equipamentos de última geração e psicólogos para tratamento de traumas e gravidez psicológica de fêmeas. 

Criou-se, também, um sistema de seguridade animal que envolve bancos, seguradoras e associações civis de proteção a pets, com campanhas de arrecadação de fundos, adoção, tratamento de gatos e vira-latas, termo que passou a ser considerado discriminatório de animais, embora os brasileiros possam ser chamados de tal, como qualificou Nelson Rodrigues. 

Criar um pet custa mais caro que um filho, pois implica em treinadores e banhos remunerados semanais, além de dar mais trabalho, pois exige passeios diários e recolher cuidadosamente suas fezes e levar na bolsa para a casa, se não houver uma lixeira perto. Há casais que gastaram fortunas no tratamento de um pet e sofrem lutos prolongados com sua perda. Nos EUA, há milionários que deixaram suas heranças para pets e seus descendentes. 

Não sou contra os pets. Minha filha, que mora em apartamento, tem uma cadela que passa o maior tempo em meu jardim. Só não entendo porque não se cuida com o mesmo carinho os pets humanos, meninas e meninos abandonados nas ruas, que se prostituem para sobreviver, ou que mofam em orfanatos à espera de quem os queira adotar. Menores infratores são recolhidos a colônias penais semelhantes àquela descrita por Kafka. A alegação preconceituosa é que não são de raça (branca) e não têm pedigree, ou histórico familiar. 

Não conheço nenhuma campanha governamental ou civil de adoção de crianças abandonadas, uma das formas mais perversas de exclusão social, senão uma burocracia infernal para a adoção.  

 


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