Artigos de Jornal
Gritos de resistência, protesto e liberação
A música de protesto surgiu nos EUA, na década de 1960, contra a guerra do Vietnã, o racismo e em defesa dos direitos civis e do feminismo, associada à contracultura, ao rock ‘n’ roll, e ao movimento hippie. No Brasil ela foi uma das trincheiras da luta contra a ditadura de 64. Cantadas às escondidas, as canções Opinião de Zé Keti, Caminhando e cantando de Vandré, Apesar de você de Chico e o Bêbado e o equilibrista de Bosco e Blanc foram os hinos que alimentaram a resistência à ditadura.
Com a redemocratização essas vozes silenciaram e os jovens atuais não fazem ideia do que foi a dita-dura. A partir de 1970 surgem vozes fazendo a crítica ao que sempre existiu e não mudou até hoje: a ordem social espúria, o racismo, a exclusão e os preconceitos burgueses, pura contracultura. Movimento considerado marginal pelo status quo, mas tão ou mais importante que o primeiro.
Nosso pioneiro foi o roqueiro Raul Seixas, baiano de classe média, casado com a filha do cônsul dos EUA na Bahia, que ao passar fome no Rio descobre o lado cruel da nossa sociedade e a esculacha. Basta ver o título de suas canções: Ouro de tolo, Sociedade alternativa, Metamorfose ambulante, A mosca na sopa e Maluco Beleza. “E você ainda acredita/ que é um doutor, padre ou policial/ que está contribuindo com sua parte/ para o nosso belo quadro social”.
Cazuza traça o perfil da Burguesia, de que era parte, procurando em vão uma Ideologia. Tem pressa, porque O tempo não para, e protesta: “Brasil!/ mostra tua cara/ quero ver quem paga/ pra gente ficar assim/ Brasil!/ qual é o teu negócio?/ o nome do teu sócio? /confia em mim!”. Canta os Blues da piedade pelos os mais pobres, e se sente um Maior abandonado, buscando Todo o amor que houver nessa vida, ainda que seja bissexual ou inventado.
Rita e Roberto de Carvalho rompem com os tabus da classe média escancarando sua vida intima em Lança perfume e Amor e sexo, mas não ficam só nisso. Rita foi uma feminista que defendia a Cor de rosa choque e Todas mulheres do mundo. “Minha força não é bruta/ não sou freira (mas quis ser), nem sou puta” (Pagu), e contesta a ordem social: “Nessa canoa furada/ remando contra a maré/ não acredito em nada/ até duvido da fé”.
Resta vivo Zé Ramalho, inspirado poeta do amor, para quem “há um brilho de faca [...] e ninguém tem o mapa/ da alma da mulher”. Em 1978, ele denuncia as confissões forçadas pela polícia: “Papillon já me dizia/ que nas torturas toda carne se trai”, e depois a massificação do povo em Admirável gado novo: “Oh, boi!/ Vocês que fazem parte dessa massa/ que passa nos projetos do futuro/ é duro tanto ter que caminhar/ e dar muito mais do que receber. Eh, oh, oh vida de gado/ povo marcado é/ povo feliz”.
Esses gritos de protestos e libertação não morreram, continuam na garganta do povo e na seleção dos disk jockeis.