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Arquitetura hostil e urbanismo integrador

  • 01 de Outubro de 2023

Creio que a expressão “arquitetura hostil” tenha sido cunhada pelo Pe. Lancellotti ao se referir à criação de barreiras físicas para impedir o sono de moradores de rua sob viadutos e marquises. A nossa pervertida estrutura social criou periferias segregadas, onde o estado não entra e são controladas por milícias financiadas pelo tráfico e pela exploração das comunidades locais. A intervenção do estado nelas se resume em invadi-las para prender suspeitos em operações que resultam em dezenas de mortes, inclusive de crianças. Vivemos uma guerra urbana resultante do nosso apartheid não declarado.

Para sobreviverem desalentados e sem-tetos, drogados ou não, se refugiam naqueles locais. A segurança urbana é mais complexa que dispersar cracolândias pela cidade, o que já foi objeto de ação do STF, e caçar bandidos em favelas. Georges Clemenceau, que governou a França durante a I Grande Guerra, declarou na época: "A guerra é coisa importante demais para ser deixada por conta dos generais".

A solução desses problemas não é simplesmente aumentar a tropa e a frota de “caveirões”. A segurança pública tem que ser debatida por sociólogos, antropólogos e urbanistas porque ela está associada à segregação socioespacial. Os melhores exemplos vêm de nossos vizinhos. Na Colômbia, Medellín, ex-quartel general de Pablo Escobar, que começava a ser apropriada pelo cartel de Cali, conseguiu reduzir as 350 mortes por 100.000 hab. para 35/100.000 integrando favelas violentas à cidade. Sua política de soft power se inspirou no projeto Favela Bairro, do Rio de Janeiro, na administração do Arq. Paulo Conde, mas foi abandonada com sua saída.

Os colombianos foram além, criaram unidades de polícia pacificadoras, bibliotecas, teatros e quadra de esportes nessas comunidades situadas em suas encostas. Para completar, articularam as favelas à cidade formal por teleféricos, que voam por cima das barricadas criadas pelas gangues armadas. O cerco começou a ser rompido, com seus moradores descendo e a classe média subindo para participar da vida cultural desses bairros. La Paz, na Bolívia, tem hoje sete linhas de teleféricos ligando a Av. El Prado a suas encostas, antes segregadas.

Os nossos conjuntos habitacionais massificados, periféricos e sem serviços, só favorecem a segregação social. Alguns deles, como a Cidade de Deus, do Rio de Janeiro, e alguns Cingapuras de São Paulo, viraram favelas dominadas pelas milícias do tráfico. Os americanos procuram romper a segregação socioespacial obrigando os condomínios da elite a incluírem um percentual de habitação para a baixa renda e criando bibliotecas digitais diuturnas em seus guetos para a meninada do “nem-nem” trocar a droga recreativa pelo ócio-criativo.

Os exemplos acima funcionam porque foram implantados em cidades que têm planejamento urbano. As nossas urbes, com raras exceções, são modeladas apenas pela especulação imobiliária oficializada nos PDDUs.  Quando vamos mudar isso?


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