Artigos de Jornal
Um novo Farol para Salvador
No ultimo dia 1º de setembro, o Instituto de Arquitetos do Brasil,
Departamento da Bahia, promoveu um debate com representantes da prefeitura e da
sociedade sobre o projeto de melhorias do bairro da Barra. Apresentaram o
projeto o secretário José Carlos Aleluia e a Prado Valadares Arquitetura, autora
do projeto. Pela exposição conclui-se que a nova administração está tentando
resgatar o planejamento e discutir o projeto com técnicos da comunidade antes de
licitar as obras. Este é um indicativo de conquista da sociedade e de
compromisso assumido pelo então candidato a prefeito com a Academia de Letras da
Bahia e os movimentos “A cidade também é nossa” e “Vozes de Salvador”.
Inicialmente, foram levantadas algumas questões. Por que a recuperação das
nossas orlas começaria pela Barra e, neste caso, qual o foco principal: o
morador, a atividade turística, ou os serviços? Uma terceira questão é sobre o
impacto da patuscada do Carnaval prolongado no bairro. Quanto à primeira, ela se
justificaria pelo caráter emblemático do bairro na cidade, e pelo fato de ser o
ponto de união entre as orlas do Atlântico e da Baía de Todos os Santos. O
segundo ponto não ficou muito claro e o terceiro foi considerado incontornável
porque não é da competência exclusiva da prefeitura.
Na exposição, a maior ênfase foi dada à mobilidade, com estudos da TTC
Engenharia. Com softwares sofisticados, a mobilidade foi tratada como um fluxo
de veículos e pessoas, como os líquidos, gases e vapor, com avaliação da
capacidade dos dutos e perda de carga em curvas e joelhos . Mas nesse caso o
fluido é muito especial, é humano, e aí começam os problemas. Como uma rua
estreita com passeios de 90 cm e sem recuos pode receber o tráfego de passagem
de uma área tão extensa. Não foram ouvidos os moradores, que serão molestados
pela falta de estacionamento, fumaça de diesel e gasolina, ronco dos motores e
buzinaços durante os engarrafamentos.
Foi contestado também o pavimento compartido, sem meios-fios, em todas as vias
do bairro. Este sistema tem sido aplicado em pequenas áreas de cidades do
primeiro mundo, com tráfego restrito a seus moradores e trabalhadores em demanda
de suas garagens. Mas naquelas cidades, o transporte de massa se faz no subsolo,
o que não é a condição dos nossos bairros, que são cruzados pelo tráfego de
outros bairros. Imagino os conflitos e prováveis atropelos nesses calçadões
compartidos por pedestres, carrinhos de bebês, ciclistas, motos, ônibus,
automóveis e caminhões.
Há grande diferença qualitativa entre tráfego motorizado e de pedestres e
ciclistas. Este sistema estaria bem no Pelourinho, como era no período colonial,
naturalmente com um piso menos irregular que o atual, que é do século XIX.
Ligada a isso está a infraestrutura urbana. Em qualquer cidade medianamente
desenvolvida, ela é reunida em galerias subterrâneas de fácil monitoramento e
reparo, com enorme economia operacional, sem necessidade de destruir o piso das
ruas a cada nova ligação ou vazamento. Pelo que foi dito, a Embasa e outras
concessionárias se negam a refazer suas redes obsoletas em calhas subterrâneas.
Assim sendo, o novo piso, que irá de fachada a fachada, com capacidade para
veículos pesados, voltará a ser esburacado a cada ano.
Dessa reunião prévia, com uma audiência tecnicamente qualificada, resultaram
algumas sugestões e críticas muito consistentes, que se espera sejam
consideradas pela prefeitura, antes do início das obras. O que, contudo, não
dispensa a audiência dos moradores e da comunidade em geral, pois trata-se de
uma referência de toda a cidade. O êxito do projeto depende, essencialmente, da
aceitação e colaboração dos moradores e prestadores de serviço do bairro. O
sucesso da recuperação do Time Square e do Soho, em Nova York, como de outras
áreas decadentes americanas e canadenses, deve-se à constituição de BIDs, ou
Business Improvement Districts, associações formadas por comerciantes e
moradores, com quem a municipalidade comparte a gestão dos bairros. Este poderá
ser um novo farol-guia do desenvolvimento de Salvador.
SSA: A Tarde, 15/09/2013.