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O que o Centro Antigo precisa
Depois de 50 anos de abandono e algumas intervenções equivocadas, o Centro
Antigo precisa de investimentos. E é assim que se entende a reação de alguns
intelectuais a novos projetos. Mas investimentos dentro de um planejamento
urbano para reintegra-lo à dinâmica da cidade. Não é verdade que a única
possibilidade de recuperação de áreas degradadas seja a verticalização. Pelo
contrario, a verticalização expulsa e transfere a miséria para a periferia e
encostas periclitantes, com a morte da esperança e dos controles sociais.
Nesses bolsões a melhoria da mobilidade e da cultura é fundamental. A inclusão
de favelas em Medelín e Bogotá se fez com a instalação do BRT Transmilenio
integrado a teleféricos, recuperação de espaços públicos e construção de enormes
bibliotecas. Pouquíssimos moradores foram deslocados, mas se expropriou o
território das máfias, se ocupou os jovens com a internert e os esportes e se
valorizou o patrimônio e a autoestima daquelas populações marginalizadas. A
violência urbana foi reduzida para um décimo da anterior. No Rio de Janeiro se
está começando a reproduzir estas experiências com resultados já palpáveis.
Recuperar o Centro Antigo de Salvador passa pela reabilitação dos ascensores,
pela construção de passarelas ligando o Pelourinho ao Desterro, o Carmo à Saúde,
como propus ao IPHAN na década de 1960, e galerias e elevadores subterrâneos
conectando a estação de metrô do Campo da Pólvora, à Baixa dos Sapateiros, ao
Terreiro de Jesus e ao Comercio. Passa também pela instalação de escadas
rolantes ligando a Preguiça e a Contorno ao mirante da Praça Castro Alves. Obras
que devem ser complementadas pela criação de um centro cultural dinâmico no
Pelourinho, aproveitando construções abandonadas, como os cines Jandaia,
Excelsior e Pax, este com um estacionamento vizinho subutilizado, e dar um uso
cultural ao Solar do Saldanha e não apenas burocrático. A Caixa Econômica ou o
Banco do Brasil bancariam este projeto prazerosamente.
Construir uma arena-de-bolso no alto da Ladeira da Montanha, a um custo
equivalente a 500 casas populares, num dos maiores gargalos da cidade, ameaçando
ensurdecer e quebrar as vidraças dos vizinhos, quando temos três arenas
subutilizadas e um Parque de Exposições, que é o único espaço capaz de receber
os festivais carnavalescos baianos é um desperdício. No mesmo Centro Antigo há
projetos mais interessantes e menos custosos esperando financiamento, como a
remodelação de três largos e um palco retrátil no Pelourinho capaz de eliminar o
mafuá que se arma todo fim de ano e carnaval naquela praça. Fica a pergunta
chave, quem irá bancar e administrar a nova arena? A Secretaria de Turismo, que
não tem nenhuma tradição neste campo?
Nos últimos 40 anos a cidade foi governada pela “politica do concreto”, ditada
pelas empreiteiras e indústria imobiliária. Nenhuma obra urbana importante foi
realizada, apenas viadutos que ligam um congestionamento a outro. São obras de
baixíssimo nível técnico. Não há um só viaduto alinhado com a pista de acesso ou
com concordâncias verticais e superelevações corretas. Há inclusive um túnel que
não coincide com o viaduto de acesso. A julgar pelas maquetes exibidas pela
Setur, a nova arena descoberta supera tudo em termos de impropriedade
urbanística, arquitetônica, paisagística e teatral. Quem conseguirá sentar
naquela placa de concreto voltada para o poente e calcinada durante todo o dia?
Qual a companhia lírica ou sinfônica de respeito irá programar espetáculos em
uma arena descoberta numa cidade que não tem estações fixas. Não estamos em Roma
ou em Atenas. Este é mais um elefante branco que se pretende criar na cidade na
onda da Copa, zombando da inteligência de seus cidadãos.
Apesar de ter levado a cidade ao fundo do poço, João Henrique provocou uma
reação positiva. A cidadania não aceita mais engolir sapos. Nunca se discutiu
tanto a cidade nas associações profissionais e de bairros, nos movimentos
urbanos, na mídia escrita e falada e em especial nas redes sociais. A Arena
Castro Alves é a bola da vez. Queremos investimentos como os sugeridos, mas sem
impactos negativos e integrados ao planejamento urbano.
SSA: A Tarde, 03/02/13