Artigos de Jornal
Fazendeiros-do-ar
A expressão é do poeta Drummond, mas na Bahia a ficção vira realidade, já
disse Mangabeira. Existem em Salvador alguns fazendeiros-do-ar com milhares de
alqueires de terra chamados de Transcons, que ninguém viu, porque são virtuais,
nem se sabe quantos são, porque segundo se diz desde janeiro de 2009 suas
transações não são publicadas no D.O., nem registradas em cartórios.
Transcon significa Transferência do Direito de Construir e foi instituído em
Chicago em 1973 com o nome de “espaço flutuante” (space adrift). Era um
instrumento de planejamento urbano que se destinava a transferir o potencial de
construção de áreas com perspectiva de grave adensamento para zonas onde havia
infraestrutura subutilizada. Servia também para transformar baldios em praças e
parques urbanos sem desembolso municipal e compensar proprietários de edifícios
tombados situados em meio a zonas verticalizadas podendo usá-los ou vende-los
para aumentar o potencial de construção em zonas que se queria desenvolver, tudo
regulado pelo Plano Diretor local. Quando se tratava de baldios ou áreas verdes
estas passavam automaticamente para o patrimônio municipal.
Este instrumento foi introduzido no país, no inicio da década de 80, em
Curitiba, cidade totalmente planejada, e macaqueado em Salvador comunidade, como
se diz hoje, sem planejamento nem infraestrutura ociosa pela Lei 3885/87,
confirmada pela Lei Orgânica do Município, de 1990. O Estatuto da Cidade, Lei
10.257 de 2001, regulamentou a questão nos artigos 28, que trata da “outorga
onerosa”, já descrita em artigo anterior neste jornal, e 35 que trata do
Transcon. Os nossos Transcons se devem a compensações milionárias pagas pela
Prefeitura a proprietários que supostamente tiveram suas terras invadidas.
É muito discutível se uma Prefeitura pode ser responsabilizada por invasões de
terras. Quem tem baldio de engorda mura, eletrifica e põe vigilância humana,
canina e eletrônica. Note-se ainda que a quase totalidade das favelas de
Salvador não são juridicamente invasões, senão loteamentos clandestinos
realizados por seus proprietários, que deste modo se desobrigam dos encargos da
legislação de loteamento. Invasão de fato só ocorre em terrenos públicos ou em
litigio, como o Bairro da Paz. Assim haja loteamentos clandestinos para maior
densificação e engarrafamento da urbe.
O fato é que não se criou em Salvador nenhuma praça ou parque nem se compensou
nenhum proprietário de monumento tombado com o Transcon, apenas se permitiu a
indústria imobiliária adensar e parar a cidade. O primeiro escândalo do Transcon
em Salvador ocorreu em agosto de 2010, quando uma ex-Secretária Municipal de
Planejamento denunciou que se estava aplicando Transcons na Orla Marítima e não
outorga onerosa como mandava o PDDU-2008, provocando prejuízos de 500 milhões de
reais à cidade, denuncia que nunca se apurou. O que fazer com esses imensos
latifúndios localizados nas nuvens? A resposta é simples: maior participação da
sociedade em suas concessões, usos e transações. Devemos inclusive aumentar as
áreas de outorga onerosa se quisermos reciclar bairros deteriorados e
infraestruturar zonas de expansão da cidade e da RMS.
Mas pode-se resgatar a função social deste instrumento mediante convênios com os
municípios vizinhos, como Lauro de Freitas, Camaçari e Simões Filho para
utilização desses créditos. Que ganhariam esses municípios com isto? Capitariam
enormes investimentos imobiliários que aumentariam a receita do IPTU e do ISS e
os tornariam mais autônomos com relação a Salvador. Ganharia a Capital com a
diminuição de sua função dormitório, com menor pressão sobre as áreas verdes e
com o aumento da receita das outorgas onerosas. Ganhariam finalmente os
fazendeiros-do-ar com a diversificação e ampliação do mercado para o seu plantel
de vacas gordas.
Dizem os comerciantes que bom negocio é aquele em que todos ganham. Não será
difícil, pois, à nova administração encontrar um negociador politico à altura
dos urgentes pactos e ajustes metropolitanos vantajosos a todos. Está feita a
sugestão.
SSA: A Tarde, 20/01/13