Artigos de Jornal
Ponte versus indústria náutica e turismo
Quem navega pela internet já viu uma ponte curiosíssima ligando a Dinamarca a
Suécia que avança 12 km no Estreito de Oresund até uma ilha artificial onde
mergulha em um túnel de 4 km para chegar à outra margem. Apesar de ter um vão
central de 500 m e 57m de altura para a passagem de navios, o mergulho foi
necessário para assegurar a passagem de plataformas de petróleo e futuros
navios, que não param de crescer. Inaugurada em 2000, esta ponte semi-submarina
custou US$12 bilhões e não é a única do tipo entre os dois países. Há ainda a
ponte Great Belt Fixed Link – Ligação Permanente do Grande Circuito - entre as
ilhas Zelândia e Funen inaugurada em 1998. Tamanhos gastos se justificam por
serem elas as duas únicas entradas a um bolsão chamado Mar Báltico.
Nos Estados Unidos, para assegurar acesso à Baía de Chesapeak entre a Virginia e
Maryland foram construídas três dessas pontes no arquipélago de sua barra,
ligando Norfolk a Virginia Beach. Na Baía de Tóquio uma ponte/túnel com 15 km
foi inaugurada em 1997 e custou US 11,2 bilhões na época. Existem mais cinco
pontes/túnel rodoferroviárias em todo o mundo em situações semelhantes. Como se
vê esta é a única solução capaz de manter grandes baías como centros de
produção, integração e lazer.
Há um ano e meio não se falava da ponte Salvador/Itaparica. Imaginei que o
Estado, diante de urgências como obras contra a seca, tivesse desistido da ideia
ou pelo menos avançado na concepção do projeto evitando seus piores impactos
sobre Salvador e a ilha. Mas não é o que se deduz da contratação por R$ 40
milhões de empresa para estudar meios para mitigar seus impactos. Ponte que
renasce às vésperas de uma sucessão indefinida.
A referida estrutura não é uma ponte de transito livre (fixed link), nem
rodoferroviária como as citadas, senão de fluxo intermitente com um vão
rotatório (dawbridge), dispositivo obsoleto, que já não se usa em nenhuma parte
do mundo. Por outro lado, a exploração do, pré-sal exigirá a construção de
plataformas de exploração e regaseificação cada vez maiores e provavelmente
refinarias flutuantes, que não passarão pela catraca da ponte proposta. Com os
engarrafamentos quilométricos que a interrupção do transito veicular provocará o
vão móvel será imobilizado e não passarão mais plataformas de petróleo, os
grandes navios de cruzeiro do Canal do Panamá duplicado, nem as futuras cidades
turísticas flutuantes. Uma delas, já em projeto, a Freedon Ship, com altura de
104m e pista de aviões no teto ultrapassa em 34 m a altura da nossa ponte.
Ponte ou indústria naval, esta é a questão! Investir minimamente R$7 bilhões,
marginalizar o Recôncavo e condenar à morte uma promissora indústria naval que
poderá ser maior que a da Baía da Guanabara, ou construir uma ponte/túnel pela
bagatela de R$ 24 bilhões é o dilema dos nossos governantes. Ainda que o governo
opte por uma ponte/túnel seu impacto sobre a área central de Salvador e a ilha
será devastador. Com mais razão, não podemos comprometer o futuro e as
potencialidades de uma das maiores baía do mundo com uma ponte que é
tecnicamente ultrapassada.
Para além desse dilema há uma alternativa bem mais vantajosa. Por um quarto do
orçamento da ponte se pode restabelecer a acessibilidade às cidades históricas
do Recôncavo, articular as indústrias e portos existentes à margem da baía, como
o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro, deflagrar o turismo náutico e chegar a
Itaparica em 1:20 hs, construindo apenas três pontes, duas sobre o Subaé e o
Paraguaçu e uma entre Salinas das Margaridas e Itaparica. Se as razões de ordem
ambientais, urbanísticas, socioeconômicas e culturais não tocam os ouvidos dos
nossos governantes, perdas econômicas como as acima apontadas poderão demovê-los
dessa posição. Mas para que isso aconteça, a sociedade baiana, deve forçar a
discussão, Ponte ou Envolvente da Baía, antes que a Baía de Todos os Santos se
transforme em uma gamboa com um funil de entrada e tenhamos uma ponte de
funcionamento intermitente.
SSA: A Tarde de 03/03/13