Artigos de Jornal
O esgarçamento urbano de Salvador
Há muitas divergências entre os urbanistas, mas num ponto todos concordam: a
cidade deve ter uma densidade demográfica e extensão espacial que facilite a
comunicação social e a manutenção de redes eficientes de serviços. Nossas
cidades são extremamente carentes de serviços. As periferias não contam com
esgoto, lixo, abastecimento regular de agua, iluminação e acessibilidade
aceitável, para não falar na segurança, na educação e na saúde. Dentro desta
logica, a expansão de Salvador deveria ser dirigida para a periferia e para os
municípios vizinhos. Na verdade isto já ocorre, mas de forma desordenada, como
em Lauro de Freitas, com Itinga, e Camaçari, com a Vila de Abrantes.
Para o norte e oeste a RMS se alarga como um leque para abrigar os polos
industriais do Copec, Ford, Cia, Mataripe, e portos de Aratu e Temadre. A quase
totalidade de seus trabalhadores vive na periferia de Salvador porque os
municípios em que se encontram, embora ricos, não oferecem habitações nem
serviços. Em outras palavras, o Estado nunca infraestruturou a RMS nem articulou
Salvador com seus vizinhos.
Com tanto terreno contiguo é incrível que se defenda expandir Salvador para
além-mar, a oito milhas do porto. Em entrevista a A Tarde, do ultimo dia 9, o
Secretário Estadual de Planejamento afirma que a Ilha de Itaparica abrigará 280
mil habitantes. Para isto será necessário abrir estradas e ruas, construir
escolas, creches e postos de saúde. Levar eletricidade, agua potável, telefonia
e dados por um vazio de 13 Km para depois distribuir e construir uma grande
estação de esgoto, pois um emissário submarino dentro da baia seria um desastre.
Com essas obras o orçamento do Sistema Viário Oeste duplicará e passará dos R$15
bilhões. Incrível é também o contrato de R$40 milhões, por notório saber, de uma
empresa alienígena para estudar o impacto na baia e na ilha, quando a UFBA acaba
de publicar o mais completo estudo sobre a Baia de Todos os Santos e seu
Recôncavo.
Resta ainda uma interrogação. Quem irá morar na ilha? Seguramente não serão a
classe media, nem a alta. Os corretores imobiliários sabem que essas classes
querem morar em bairros consolidados, perto de boas universidades, hospitais,
shoppings, teatros e cinemas e não ter que enfrentar uma nova Paralela, com o
agravante de ser interrompida durante horas para a passagem de plataformas de
petróleo. As praias da ilha já foram loteadas e a costa interna é só mangue. Sem
essas limitações o Litoral Norte continua um subúrbio chique de casas ocupadas
um mês por ano.
A comparação com o Corredor da Vitória e propaganda enganosa. A centralidade faz
toda diferença. E ainda há quem acredite que esta ponte vai ser financiada com
leilões de CEPACs - Comprovantes de Potencial Adicional Construtivo. Isto só
funciona em áreas centrais hipervalorizadas como o Porto Maravilha, no Rio de
Janeiro. Podem esperar sentados Donald Trump e Eike Batista para arrematar
CEPACs de Caixa Prego e do Duro.
Por outro lado, não tem sentido botar o proletariado para morar do outro lado da
baia e ir trabalhar a 60 km, no Copec ou na Ford, ou em Candeias e perder o dia
de trabalho porque enfrentou engarrafamento em Salvador ou a passagem de uma
plataforma de petróleo. Nesta perspectiva resta a Itaparica ser um acampamento
rodoviário e retro-porto de Salvador como afirma um assessor, uma replica do
município de São Gonçalo, vizinho a Niterói. Esta hipótese é confirmada no mesmo
caderno imobiliário, quando noticia um grande empreendimento subsidiado de Minha
Casa Minha Vida com habitações de 45 e 55 m². Sim, teremos uma Cidade de Deus em
Itaparica.
O que resta deste projeto é a ilusão popular que a ponte irá substituir o
ferryboat. Ninguém paga pedágio e enfrenta uma ponte de 13 km para chegar ao Rio
engarrafado. As barcas ainda são a melhor solução para cruzar a Guanabara. Se
este projeto for adiante por um capricho, nós contribuintes terremos de pagar
por muitas décadas seu custo exorbitante. Mas o mais provável é que ele não
passe de alguns pilares perdidos na baia, enfeando e atrapalhando a navegação.
SSA: A Tarde de 17/03/13