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Metrô só não basta
Na semana passada Estado e Prefeitura chegaram a um acordo sobe metrô e
ônibus. O problema do transito não é só de Salvador, mas aqui assume dimensões
alarmantes, porque nossas vias não formam uma rede, são corredores bloqueados,
sejam elas de cumeadas, de vales, ou de acessos, como a Paralela e a BR-324. O
Epucs, há 70 anos, já propunha uma rede em dois níveis com cruzamentos em
viadutos e túneis e alças de ligação entre os dois planos. Alguns túneis foram
feitos, mas nenhuma das ligações dos dois níveis.
A questão não é só do metrô e dos ônibus. Sua solução passa pela normatização do
uso do solo e mudanças de valores e hábitos. Primeiro, devemos diminuir as
viagens, ou seja, todos os bairros devem ter equipamentos sociais e comércios de
modo que crianças possam ir à escola e seus pais ao supermercado sem precisar de
transporte. Segundo, ela implica na compreensão que a era do carro foi linda,
podia-se namorar e passear de baratinhas, mas já era. Se pensarmos a cidade sem
eles, se abrem novas perspectivas e teremos uma cidade mais ligeira e
socialmente mais rica.
Tomo como exemplo de Copacabana, no Rio. Sua arquitetura de especulação, dos
anos 30 e 40, é muito ruim, mas seu urbanismo dez. Depois de ter lido “Uma
utopia urbana” do antropólogo Gilberto Velho e assistido “Edifício Master” de
Eduardo Coutinho mostrando a vida nos quarto-e-sala do bairro, acabo de
redescobrir seus valores de urbanidade, já cantados por Braguinha, Caymmi e
Drummond. Experiência vivida, pois tenho um filho morando ali, num sala e três
quartos.
Poderia classificá-lo como um bairro pré e pós-calhambeque. Poucos edifícios têm
garagem, mas não faz falta, pois existe um metrô. Vai-se andando para o
supermercado, para levar o neto na escola, para o restaurante, o calçadão, este
espaço de sociabilidade e lazer, e a praia. Com isso, economiza-se a academia e
chega-se ao centro em poucos minutos no metrô. São Paulo, a exemplo de cidades
europeias e de Nova York, depois de tentar o rodizio, que só aumentou a frota,
acaba de proibir o carro na área central, tornando as viagens de ônibus meia
hora menos demoradas. Ha meios para diminuir a frota de carros em circulação.
Nova York com um enorme metrô não permite novas vagas na ilha e cobra pedágio
para entrar.
Não seria tão radical, mas consideraria as garagens como área construída para
efeito de coeficiente de aproveitamento (CAM) e taxação. Com isso diminuir-se-ia
a frota e os estoques de transcon, ao tempo que aumentaria a arrecadação para
investir na melhoria urbana. São medidas duras, como a dieta e a malhação, mas
necessárias para ter uma barriga sarada.
Desconstipar Salvador significa criar um novo paradigma de mobilidade coletiva e
restrições ao carro. O novo paradigma compreende transportes de qualidade –
metrô, VLT e BRT - e sistemas alternativos de circulação, como ciclovias,
hidrovias, passarelas, teleféricos e ascensores. Estes são fundamentais em uma
cidade com três níveis e foram os primeiros coletivos da cidade, ainda no século
XVII, modernizados na era industrial, com guindastes, charriots e parafusos,
hoje sendo desativados.
Esses equipamentos não têm uma única solução. O novo metrô pode ser em
trincheira, ao nível do solo ou aéreo. A primeira solução evita os impactos
sonoros e visuais, mantem o verde e elimina viadutos, mas pode não ser o
preferido das empreiteiras. Os VLTs e BRTs de alimentação do metrô devem ser de
paradas locais e expressas. Ônibus podem ter assoalho rebaixado e rotas diretas,
ou chassi elevado de caminhão e trajetos labirínticos. Mas a primeira hipótese
pode não ser a preferida do SETPS. Estas são alternativas técno-sociais que
interessam aos cidadãos e que precisam ser discutidas em fóruns representativos
e qualificados de toda a cidade e não em audiências enganosas na periferia.
Precisamos, em suma, desprivatizar Salvador colocando empreiteiras, imobiliárias
e concessionária no seu lugar, servindo e não garoteando a cidade e remover o
lixo do PDDU, do Lous e do Código de Obras.
SSA: A Tarde, 14/04/13