Artigos de Jornal
Planejando de ponta cabeça
Em 1996 participei de um seminário em San Antonio, Texas. Aquela cidade
estava planejando um novo aeroporto. A Seplan local havia identificado três
possíveis localizações e mandado fazer estudos de impacto ambiental e
viabilidade econômica das três alternativas. Em todos os espaços públicos havia,
democraticamente, resumos dos estudos, a agenda das audiências e urnas para os
cidadãos se manifestarem.
Na Bahia, se está realizando portos, ferrovias e a transposição das aguas do São
Francisco, com enormes impactos ambientais e sociais sem discussão com a
cidadania. Vou me ater apenas àquelas que afetam a RMS e a Baia de Todos os
Santos. Cito a ligação Salvador-Itaparica, a estação de regaseificação, o metro
de Salvador e a transferência da rodoviária para Pirajá. Estas são obras
projetadas pelas construtoras-imobiliárias, concessionarias e interessados e
encampadas acriticamente por um estado tecnicamente desaparelhado que não dispõe
senão de 300 engenheiros.
As comunidades técnica e acadêmica e as lideranças sociais não são contra essas
obras, senão que querem discutir alternativas e evitar o desperdício de recursos
públicos com obras mal planejadas, técnica e financeiramente, que acabam
paralisadas por falta de sustentabilidade, como a Linha 1 do Metrô, a Via
Náutica, o Parque do Aeroclube, o bonde-moderno e o complexo hoteleiro de Sauipe.
Esses projetos carimbados vêm com estudos de viabilidade e de impacto ambiental,
mas de escassa credibilidade, porque as empresas consultoras fazem o que manda o
cliente e as agencias governamentais as licenciam sob pressão politica.
Ao decidir despejar até 140 mil veículos diários na área central de uma cidade
que não tem um anel rodoviário (A Tarde, 2/4/13) ou transferir a estação de
ônibus para os confins do município, o Estado está afetando a vida de três
milhões de cidadãos sem que eles possam opinar, senão pagar a conta de seu
próprio suplício diário. Quando a pressão da sociedade é grande, o Estado simula
estar planejando, como no caso do Sistema Viário do Oeste, mas está apenas
tentando respaldar uma decisão adotada aprioristicamente sem maiores critérios.
Em reunião recente no fórum a Cidade Também é Nossa, o coordenador do projeto,
Paulo Henrique Almeida, afirmou que poderia discutir tudo, menos o ponto de
partida e chegada da ponte e sua trajetória. Curiosamente este é o projeto
proposto, há mais de vinte anos, por uma construtora/imobiliária baiana e que
virou caricatura, ainda hoje provocando risos na internet. Declaração
corroborada pelo Secretario Gabrielli, que afirma que a ponte já está em
construção. De fato está sendo contratada a sondagem de seus pilares e a
modelagem econômica e financeira da obra, embora seu orçamento só será conhecido
em janeiro de 2014 quando terminar o projeto de engenharia (A Tarde, 9/4/13).
Ainda vão ser licitados os estudos de impactos ambientais e urbanísticos, que
deveriam embasar ou não a decisão. Só depois do projeto fechado, que custará R$
90,5 milhões, serão feitas audiências públicas como manda a lei (Bahia Negócios,
jan/13). Esta é uma metodologia do planejamento ao revés, de ponta cabeça,
primeiro se decide e depois se transforma o plano improvisado no “discurso
competente”, no dizer de Marilena Chaui, para cooptar o povão pouco informado.
Pergunta-se, porque gastar quase R$ 100 milhões se a obra já está em execução?
Não é preciso muito estudo para se concluir que esta obra polêmica, estimada
entre R$ 7 a R$15 bilhões, não será paga pelo pedágio, que mal dá para sua
operação e manutenção, por Certificados de Potencial Adicional de Construção num
subúrbio pobre, nem tampouco pelas “Cidade de Deus” da Caixa. Ela será custeada
unicamente por nós e nossos descendentes, durante décadas, Quando bate à porta a
recessão, a seca e a inflação, nossas autoridades deveriam ser mais sóbrias e
cautelosas. Se não quisermos pagar essa conta, comecemos a protestar para que
não venhamos a nos indignar e chorar como os espanhóis, portugueses, gregos e
cretenses pela prodigalidade de seus governantes.
SSA: A Tarde, 28/04/2013