Artigos de Jornal
Um presente de grego
A expressão deriva da narrativa de Homero do episódio de um cavalo do pau-oco
posto na porta de Troia pelos gregos. Arrastado pelos troianos para dentro da
cidadela, à noite, um punhado de soldados gregos salta do cavalo e abre as
portas da cidade que é tomada pelos seus companheiros. Este episódio equivale no
Brasil ao famoso conto do paco, em que um otário, pensando ser vivo, paga um
alto valor por um um pacote de dinheiro falso e em casa descobre que tem apenas
cédulas em cima e embaixo muito papel de jornal.
Na calada da noite, alguém colocou no centro da Baía de Todos os Santos um
presente, uma estação de regaseificação. Ninguém foi avisado, nem mesmo o
município de Salvador, a quem pertence a Ilha dos Frades, com sua famosa Ponta
de Nossa Senhora, um dos locais mais aprazíveis e visitados da BTS. O que tem a
ver essa ilha artificial e porto com a nossa baía? Nada. O gás liquefeito vem do
Oriente Médio e uma vez expandido segue para consumo das regiões Nordeste e
Norte. E por que a BTS foi o local escolhido pela Petrobras, quando poderia
estar em qualquer ponto abrigado da costa da Bahia? Pela comodidade da empresa e
de seus funcionários de viverem uma capital. Não vou avaliar aqui seus impactos
ambientais, sociais e culturais, que já foram analisados por outros, e que têm,
aparentemente, pouco interesse para a empresa.
Gostaria de conhecer os estudos, se é que foram feitos, de custo-benefício para
a BTS e a Região Metropolitana de Salvador deste empreendimento. Como sempre,
dirão que criará muitos empregos durante a construção, embora poucos na sua
operação, e pagará ISS ao município. Mas não criaria o mesmo número de empregos
qualquer que fosse sua localização na costa baiana? Quais são os ganhos e perdas
para a RMS deste empreendimento? Perde a BTS porque em um raio de um quilômetro
da estação, situada no centro da baía, não pode passar nenhuma embarcação,
inclusive pesqueiros, por razões de segurança. Perde a RMS com a dificuldade de
criação de um polo turístico-náutico, com a instalação de marinas, pequenos
estaleiros, iates-clubes e resorts em volta da BTS. Prejudica Salvador,
plataforma desse polo e aeroporto internacional, porque a região perde
atratividade, encurtando a permanência dos turistas na capital.
O número de empregos permanentes e o volume de ISS gerados em Salvador e
municípios em volta da baía com aquele polo náutico e turístico seria
imensamente maior que deste projeto poluente no coração da BTS. Com essa estáção
e o outro presente de grego, a ponte Salvador-Itaparica, estaremos matando na
véspera o perú ou a galinha dos ovos de ouro da BTS e RMS. Isso não é culpa da
Petrobras, senão de um Estado que perdeu a capacidade de planejar e controlar
seu territorio, há muito tempo.
O planejamento deve começar pela eleição de prioridades. Enquanto o gado está
morrendo e os lavradores se retirando do sertão esturricado, se planeja uma
ponte que custará R$ 7 bilhões de reais e pouco beneficio. O Ceará, apesar de
ter menores recursos hídricos que a Bahia, não sente tanto os efeitos das secas,
pois possui 14 trilhões de metros cúbicos de água armazenados nos seus dez
maiores açudes. Só um, construído há dez anos, tem metade desse numero. E eles
estão com 60% da capacidade para irrigar a agricultura e desenvolver a pecuária.
O projeto de transposição do São Francisco, não obstante ser o rio
majoritariamente baiano, irá beneficiar Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande
do Norte e nem uma gota para a Bahia. Em Tucano, o prefeito mandou cancelar a
tradicional e alentadora festa de São João devido à seca, embora esteja sobre um
dos maiores aquíferos do país. Segundo a propaganda oficial o que se está
fazendo no Estado contra a seca são cisternas para capitar água da bica do
telhado, que não basta para o consumo doméstico de uma família durante um mês.
Só agora nossas autoridades despertaram para o problema.
Não se trata de regularizar a estação para cobrar ISS, senão pôr os pés no chão
e começar a planejar. É o futuro da BTS e da RMS e o comprometimento do
desenvolvimento do Estado, pelo impacto ambiental e endividamento supérfluo, que
estão em jogo. Acorda, Bahia!
SSA: A Tarde, 26/05/2013.