Artigos de Jornal
De volta ao XVIII
Durante três noites sonhei com o Marques de Pombal, aquele de bronze com um
leão-de-guarda ao seu lado num pedestal no final da Av. da Liberdade, em Lisboa.
Não entendi, porque não estive em Lisboa recentemente e havia lido sua biografia
há muito tempo. Convenci-me que ele foi um dos maiores representantes do
Despotismo Esclarecido em todo mundo, aquele movimento em que as monarquias
absolutistas pegaram carona no Iluminismo para legitimar o poder do rei perante
a plebe rude, depois que eles deixaram de representar o poder divino no fim da
Idade Média. Eu via Pombal, abrindo mapas e relatórios expondo projetos
grandiloquentes, como a criação de companhias monopolistas de comercio, vinho e
pesca, a dominação dos índios brasileiros com a expulsão dos jesuítas e o
loteamento de Lisboa destruída pelo terremoto, enquanto o leão rugia contra os
que se mexiam.
Como fiquei confundido com aquelas visões, resolvi consultar meu analista. E ele
me induziu a fazer uma regressão de memoria. Não fui muito longe. Contei-lhe que
nas duas últimas semanas havia assistido exposições sobre a Ponte
Salvador-Itaparica, algumas delas feitas pelo secretario Gabrielli. Uma, em
especial, a realizada no Crea-Ba no dia 29 pp. promovida pelos fóruns A Cidade
Também Nossa e Vozes de Salvador, impressionou a todos. O secretario discorreu
duas horas exibindo gráficos, mapas e estatísticas, tentando mostrar a
excelência de seu projeto. Mas afirmou que a ponte não vai substituir o
ferryboat, admitiu que não seria um vetor de minérios e grãos do oeste para o
porto de Salvador, que não processa granéis, função melhor desempenhada pela
Fiol e Porto Sul e que ainda não sabe como será o financiamento da obra, mas em
parte será paga pela mais-valia imobiliária da ilha. Pelo exposto conclui que a
importância do Sistema Viário do Oeste, ou melhor, do Sul, orçado
preliminarmente em sete bilhões de reais, se resume a um acesso mais rápido à
Costa do Dendê.
Como o auditório se mostrasse inquieto, Gabrielli fechou a questão dizendo que
os pontos de saída e chegada da ponte e seu traçado já estão definidos, que os
editais internacionais para elaboração do projeto executivo e relatórios de
impactos ambientais e urbanísticos já foram publicados e que em seis meses será
licitada a obra. Que aquela era decisão de governo legitimado pelo voto popular.
Assim sendo, a discussão resvalou para uma sabatina afiada sobre o planejamento,
a participação popular, os conselhos cidadãos e os efeitos da picada da mosca
azul em um antigo maqui dessas causas.
Sobre o macroplanejamento disse que é coisa do passado, da Cepal/ONU, que não
tem mais vigência no mundo globalizado, e que hoje são os projetos que moldam o
plano. Sobre a participação popular citou Voltaire: não concordo com o que
dizes, mas defendo até a morte seu direito de dizê-lo, porem a decisão está
tomada e o governo esta fazendo o melhor com consultorias internacionais. Os
conselhos para ele são apenas consultivos, pois não têm responsabilidade, ao
contrario do governo. Sobre a mosca azul que o teria picado como presidente da
Petrobras, a megacorporação estatal verticalizadíssima, candidato ao governo do
Estado e secretario do mesmo, ele negou e disfarçou. O auditório fingiu que
acreditou.
Meu analista, que é também um aficionado de historia politica, me disse: V. fez,
inconscientemente, uma associação do Despotismo Esclarecido com o regime
politico depois de Lula e do Iluminismo com o notório saber das consultoras
internacionais, que maquiam os problemas ao gosto do freguês. Ponderei-lhe: a
consciência dessas associações pode não me libertar dos pesadelos e a ponte, se
feita, irá travar a ilha e Salvador com 135 mil caminhões e carros dia. Ele me
tranquilizou dizendo: Paulo, as companhias monopolistas não vingaram, os
jesuítas voltaram ao Brasil, o loteamento de Lisboa se limitou à Baixa, sua
ocupação tardou um século, e Pombal caiu em desgraça com a sucessão de D. José
I. Assim, V. pode dormir tranquilo, que seus temores não têm fundamento!
SSA: A Tarde, 09/06/13