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Preservação cultural em foco

  • 05 de Janeiro de 2014

Três ações de preservação cultural foram anunciadas no final do ano, o que é positivo, mas para sua efetividade precisam ser mais debatidas com a sociedade. A mais importante e polemica delas é o Projeto de Lei 622/13 de normatização da proteção ao patrimônio cultural, de autoria do vereador Leo Prates, decalcado em parte do Dec.-Lei 25/37. A legislação federal por sua vez se inspirou na francesa centenária, de 1914, que já não responde plenamente às necessidades do país.

A legislação federal como um instrumento de defesa passiva foi importante para evitar a destruição de muitos monumentos no período de maior urbanização do país, mas não acompanhou a evolução da doutrina nem a dinâmica social da nação, salvo no que se refere aos bens imateriais.

O conceito de patrimônio cultural evoluiu do bem excepcional para o de sítio territorial de valor referencial integrado à cidade e preservado por meio do planejamento urbano, como recomendam os Compromissos de Brasília e Salvador, de 1970 e 1971, e a Constituição Federal de 1988, que coloca o planejamento e o inventario como instrumentos de defesa ativos com o mesmo status do tombamento.

As melhores experiências de preservação de sítios históricos no Brasil se devem ao planejamento urbano, como no caso dos portos de Manaus e Recife, este com sua transformação em cluster de informática e criação de um grande espaço de celebrações, a Praça Marco Zero. A crise que vive o nosso Centro Antigo não se deve só ao descaso de seus proprietários, senão â marginalização a que foi condenado com a criação do CAB e a falta de um projeto capaz de reintegrá-lo à dinâmica da cidade. As obras realizadas por ACM, ainda que importantes, foram apenas de restauração arquitetônica, quando o problema é urbanístico.

Outro instrumento importante de conservação é o reconhecimento de uma nova categoria patrimonial, os bens inventariados, ou seja, aqueles que são reiterativos ou tem importância especialmente urbanística e ambiental, podendo sua conservação ser negociada com os proprietários mediante concessão de usos especiais, isenções e financiamento a taxa zero e seu interior “agiornado”, sem delongas e favores. O inventario está na Constituição de 1988 e a Bahia possui o mais completo inventario de patrimônio edificado do Brasil, trabalho em sete volumes que coordenei para o Governo do Estado. Inexplicavelmente este instrumento não foi incorporado à Lei Estadual 3660/78, mas pode ser incluído na legislação municipal.

O novo P.L. não faz referencia ao planejamento urbanístico, nem ao inventario e ignora outro instrumento importante de preservação, a transferência do direito de construir (transcon) com a aplicação de seus recursos na conservação de imóveis tombados ou inventariados. Querer impor ao proprietário de imóvel de interesse público o ônus compulsório de sua conservação não é nem justo nem eficiente, como demonstram os 76 anos deste dispositivo na legislação federal. Cria apenas o circulo vicioso do arruinamento programado e restauração eventual pelo estado. Processo em que o proprietário é o maior interessado na sua ruína para resgatar o valor do solo urbano ou reaver o imóvel restaurado.

O conceito ambíguo de visibilidade deveria ser substituído por “equilíbrio de massas, texturas e cores”. Parece-me mais correto também eliminar o crivo prévio da Fundação Gregório de Matos aos pedidos de tombamento, antes de serem submetidos ao Conselho Consultivo (Art. 3º). Pelas razões acima, sou descrente da eficácia do confisco punitivo das ruínas da Praça Cairu, como determinada lei municipal recente, e lamento que nos investimentos de R$142 milhões para o nosso C.H. do Programa PAC das Cidades Históricas não se inclua plano ou ações urbanísticas (A Tarde de 12 e 19/12/13). A preservação de um sítio patrimonial só se logra com planejamento urbano, participação social, financiamento acessível, isenções e subsídios e isto deve começar com uma boa legislação.

SSA: A Tarde de 05/01/2014


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