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Preservação cultural em foco
Três ações de preservação cultural foram anunciadas no final do ano, o que é
positivo, mas para sua efetividade precisam ser mais debatidas com a sociedade.
A mais importante e polemica delas é o Projeto de Lei 622/13 de normatização da
proteção ao patrimônio cultural, de autoria do vereador Leo Prates, decalcado em
parte do Dec.-Lei 25/37. A legislação federal por sua vez se inspirou na
francesa centenária, de 1914, que já não responde plenamente às necessidades do
país.
A legislação federal como um instrumento de defesa passiva foi importante para
evitar a destruição de muitos monumentos no período de maior urbanização do
país, mas não acompanhou a evolução da doutrina nem a dinâmica social da nação,
salvo no que se refere aos bens imateriais.
O conceito de patrimônio cultural evoluiu do bem excepcional para o de sítio
territorial de valor referencial integrado à cidade e preservado por meio do
planejamento urbano, como recomendam os Compromissos de Brasília e Salvador, de
1970 e 1971, e a Constituição Federal de 1988, que coloca o planejamento e o
inventario como instrumentos de defesa ativos com o mesmo status do tombamento.
As melhores experiências de preservação de sítios históricos no Brasil se devem
ao planejamento urbano, como no caso dos portos de Manaus e Recife, este com sua
transformação em cluster de informática e criação de um grande espaço de
celebrações, a Praça Marco Zero. A crise que vive o nosso Centro Antigo não se
deve só ao descaso de seus proprietários, senão â marginalização a que foi
condenado com a criação do CAB e a falta de um projeto capaz de reintegrá-lo à
dinâmica da cidade. As obras realizadas por ACM, ainda que importantes, foram
apenas de restauração arquitetônica, quando o problema é urbanístico.
Outro instrumento importante de conservação é o reconhecimento de uma nova
categoria patrimonial, os bens inventariados, ou seja, aqueles que são
reiterativos ou tem importância especialmente urbanística e ambiental, podendo
sua conservação ser negociada com os proprietários mediante concessão de usos
especiais, isenções e financiamento a taxa zero e seu interior “agiornado”, sem
delongas e favores. O inventario está na Constituição de 1988 e a Bahia possui o
mais completo inventario de patrimônio edificado do Brasil, trabalho em sete
volumes que coordenei para o Governo do Estado. Inexplicavelmente este
instrumento não foi incorporado à Lei Estadual 3660/78, mas pode ser incluído na
legislação municipal.
O novo P.L. não faz referencia ao planejamento urbanístico, nem ao inventario e
ignora outro instrumento importante de preservação, a transferência do direito
de construir (transcon) com a aplicação de seus recursos na conservação de
imóveis tombados ou inventariados. Querer impor ao proprietário de imóvel de
interesse público o ônus compulsório de sua conservação não é nem justo nem
eficiente, como demonstram os 76 anos deste dispositivo na legislação federal.
Cria apenas o circulo vicioso do arruinamento programado e restauração eventual
pelo estado. Processo em que o proprietário é o maior interessado na sua ruína
para resgatar o valor do solo urbano ou reaver o imóvel restaurado.
O conceito ambíguo de visibilidade deveria ser substituído por “equilíbrio de
massas, texturas e cores”. Parece-me mais correto também eliminar o crivo prévio
da Fundação Gregório de Matos aos pedidos de tombamento, antes de serem
submetidos ao Conselho Consultivo (Art. 3º). Pelas razões acima, sou descrente
da eficácia do confisco punitivo das ruínas da Praça Cairu, como determinada lei
municipal recente, e lamento que nos investimentos de R$142 milhões para o nosso
C.H. do Programa PAC das Cidades Históricas não se inclua plano ou ações
urbanísticas (A Tarde de 12 e 19/12/13). A preservação de um sítio patrimonial
só se logra com planejamento urbano, participação social, financiamento
acessível, isenções e subsídios e isto deve começar com uma boa legislação.
SSA: A Tarde de 05/01/2014