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Duas cidades mexicanas

  • 22 de Dezembro de 2013

Acabo de voltar do México onde participei do XII Congresso Internacional da Organização das Cidades Patrimônio Mundial – OCPM, em Oaxaca. Quis passar quatro dias na Cidade do México, a terceira mais populosa do mundo, com cerca de 19 milhões de habitantes e construída sobre um lago a 2.300 m sobre o mar, em zona sísmica, sujeita tempestades de pó e sem água. O líquido é extraído do subsolo, o que provoca um recalque continuado da cidade, e captado a 1000 m abaixo e bombeado.

Estive na cidade ha uns quinze anos e o transito era infernal. Agora o trafego me pareceu melhor do que o das principais capitais brasileiras. Isto se deve a grandes investimentos no transporte público. A cidade tem doze linhas de metrô subterrâneo e VLT com 175 estações, redes de BRT(bus rapid transit), troleybus, ônibus e ciclovias. O metrô sobre pneus, como em Paris, transporta quatro milhões de pessoas dia e custa três pesos (R$ 0,60), menos de um décimo do que vai custar o nosso trenzinho de Lauro de Freitas, que irá dividir Salvador no meio. Apesar disto, sobra dinheiro para manter praças, parques, ruas bem arborizadas e mais de 20 museus só na área central, incluindo os novíssimos museus Soumaya e da Memória e da Tolerância.

Pois é, mobilidade urbana pressupõe subsidio ao transporte coletivo. No Brasil é o contrario. O carro privado tem o IPI reduzido na fabricação, gasolina subsidiada, estacionamento em supermercados e shopping center gratuito e gastam-se horrores na construção de viadutos e na manutenção das vias. E não para por ai, as vagas de carro nos edifícios residenciais e comerciais não pagam nem alvará nem IPTU. E tudo isto para passarmos pelo menos três horas do dia em engarrafamentos.

Oaxaca é uma cidade de 260 mil habitantes, de batismo asteca e crisma espanhol, berço de muitos artistas, compositores e interpretes musicais e possuidora de culinária e artesanato típicos. A cidade é bem conservada e sua praça principal, o “zocolo”, tem uma vida urbana excepcional com restaurantes em seus “portales”, crianças brincando com balões coloridos, pessoas de todos os níveis sociais namorando em seus bancos, enquanto músicos e artistas de ruas fazem suas performances. Nos feriados a banda mirim toca em seu coreto e em seus passeios há manifestações políticas pacificas. Por isso é uma das 190 cidades e sítios tombados pela UNESCO como patrimônio da humanidade, como Salvador.

O município vive do turismo e do cultivo do agave com o qual produzem o “mezcal”, uma variedade da tequila. Mas o que espanta mesmo é a vida cultural desta pequena cidade que possui um teatro de opera, bons museus, uma grande biblioteca no convento de Santo Domingo e um jardim etnobotânico com uma bela coleção variadíssima de cactos, além de quatro mercados de artesanato e gastronomia. Durante os jantares que nos ofereceram se apresentaram cantores líricos, “mariachis” e grupos de dança da mais alta qualidade.

Durante o congresso delegações de várias cidades e representantes de fundações preservacionistas apresentaram suas experiências, discutiram políticas a ser adotadas, e escolheram a nova presidência da OCPM e a sede do próximo congresso. Pude rever cidades latino americanas e européias que acompanho há quarenta anos como consultor da Unesco e constatar que mantêm a sua identidade e garbo. Arequipa, no Peru, competindo com Granada na Espanha e Bali na Indonésia, arrebatou a sede do próximo congresso e Sintra, em Portugal, a presidência da OCPM. Aquele era um fórum de alto nível das mais belas cidades do mundo.

Apesar de o Brasil ter 19 sítios Patrimônio Mundial, o IPHAN não mandou ninguém. Apenas Ouro Preto e Olinda mandaram funcionários de segundo escalão. Não estava ali para representar Salvador, pois nunca fui convidado a opinar sobre seu C.H., senão como convidado da OCPM para participar de um painel sobre “O papel da sociedade na preservação do patrimônio cultural”. Desse modo, fui poupado de um de dois grandes constrangimentos: o de mentir ou o de dizer a verdade sobre o estado da nossa sofrida Salvadolores, no dizer de Fernando da Rocha Perez.

SSA, A Tarde de 22/12/13


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