Artigos de Jornal
Duas cidades mexicanas
Acabo de voltar do México onde participei do XII Congresso Internacional da
Organização das Cidades Patrimônio Mundial – OCPM, em Oaxaca. Quis passar quatro
dias na Cidade do México, a terceira mais populosa do mundo, com cerca de 19
milhões de habitantes e construída sobre um lago a 2.300 m sobre o mar, em zona
sísmica, sujeita tempestades de pó e sem água. O líquido é extraído do subsolo,
o que provoca um recalque continuado da cidade, e captado a 1000 m abaixo e
bombeado.
Estive na cidade ha uns quinze anos e o transito era infernal. Agora o trafego
me pareceu melhor do que o das principais capitais brasileiras. Isto se deve a
grandes investimentos no transporte público. A cidade tem doze linhas de metrô
subterrâneo e VLT com 175 estações, redes de BRT(bus rapid transit), troleybus,
ônibus e ciclovias. O metrô sobre pneus, como em Paris, transporta quatro
milhões de pessoas dia e custa três pesos (R$ 0,60), menos de um décimo do que
vai custar o nosso trenzinho de Lauro de Freitas, que irá dividir Salvador no
meio. Apesar disto, sobra dinheiro para manter praças, parques, ruas bem
arborizadas e mais de 20 museus só na área central, incluindo os novíssimos
museus Soumaya e da Memória e da Tolerância.
Pois é, mobilidade urbana pressupõe subsidio ao transporte coletivo. No Brasil é
o contrario. O carro privado tem o IPI reduzido na fabricação, gasolina
subsidiada, estacionamento em supermercados e shopping center gratuito e
gastam-se horrores na construção de viadutos e na manutenção das vias. E não
para por ai, as vagas de carro nos edifícios residenciais e comerciais não pagam
nem alvará nem IPTU. E tudo isto para passarmos pelo menos três horas do dia em
engarrafamentos.
Oaxaca é uma cidade de 260 mil habitantes, de batismo asteca e crisma espanhol,
berço de muitos artistas, compositores e interpretes musicais e possuidora de
culinária e artesanato típicos. A cidade é bem conservada e sua praça principal,
o “zocolo”, tem uma vida urbana excepcional com restaurantes em seus “portales”,
crianças brincando com balões coloridos, pessoas de todos os níveis sociais
namorando em seus bancos, enquanto músicos e artistas de ruas fazem suas
performances. Nos feriados a banda mirim toca em seu coreto e em seus passeios
há manifestações políticas pacificas. Por isso é uma das 190 cidades e sítios
tombados pela UNESCO como patrimônio da humanidade, como Salvador.
O município vive do turismo e do cultivo do agave com o qual produzem o
“mezcal”, uma variedade da tequila. Mas o que espanta mesmo é a vida cultural
desta pequena cidade que possui um teatro de opera, bons museus, uma grande
biblioteca no convento de Santo Domingo e um jardim etnobotânico com uma bela
coleção variadíssima de cactos, além de quatro mercados de artesanato e
gastronomia. Durante os jantares que nos ofereceram se apresentaram cantores
líricos, “mariachis” e grupos de dança da mais alta qualidade.
Durante o congresso delegações de várias cidades e representantes de fundações
preservacionistas apresentaram suas experiências, discutiram políticas a ser
adotadas, e escolheram a nova presidência da OCPM e a sede do próximo congresso.
Pude rever cidades latino americanas e européias que acompanho há quarenta anos
como consultor da Unesco e constatar que mantêm a sua identidade e garbo.
Arequipa, no Peru, competindo com Granada na Espanha e Bali na Indonésia,
arrebatou a sede do próximo congresso e Sintra, em Portugal, a presidência da
OCPM. Aquele era um fórum de alto nível das mais belas cidades do mundo.
Apesar de o Brasil ter 19 sítios Patrimônio Mundial, o IPHAN não mandou ninguém.
Apenas Ouro Preto e Olinda mandaram funcionários de segundo escalão. Não estava
ali para representar Salvador, pois nunca fui convidado a opinar sobre seu C.H.,
senão como convidado da OCPM para participar de um painel sobre “O papel da
sociedade na preservação do patrimônio cultural”. Desse modo, fui poupado de um
de dois grandes constrangimentos: o de mentir ou o de dizer a verdade sobre o
estado da nossa sofrida Salvadolores, no dizer de Fernando da Rocha Perez.
SSA, A Tarde de 22/12/13