Artigos de Jornal
Violações urbanas
Em artigo recente Caetano Veloso lamenta a feiúra das cidades do país. No
nosso caso não se trata apenas do indigesto “virado-paulista-imobiliário”, mas
da reiterada destruição da beleza dos sítios urbanos por grandes obras públicas
da mais baixa qualidade. Numa das entradas de Salvador o visitante se depara com
uma das estruturas mais horrendas que se pode imaginar em uma cidade. É a
chamada Linha 1 do metrô, que se contorce como uma montanha russa sustentada por
muletas e cavaletes. Como transporte de massa, o metrô não possui articulação
com a Av. Bonocô, nem com bairros vizinhos como Brotas o que compromete sua
sustentabilidade.
Mais adiante, o visitante encontra no canteiro central da avenida uma subestação
sob um viaduto, que mais parece um presídio de interior com muros improvisados e
arame farpado. Instalação sem segurança com uma via pública a montante. Ao se
interessar em saber sobre a obra o turista se dará conta que as estações não têm
sanitários, nem a linha, abafadores acústicos. Para piorar, deverá ser feita no
meio da avenida um monstrengo suspenso para a articulação com a Linha 2.
Quem projetou e quem aprovou esta coisa que viola um dos mais belos vale da
cidade? Compare-se a Av. Centenário, primeira park-way de vale projetada por
Diógenes Rebouças e ajardinada por Guilardo Muniz, com a Av. Bonocô, bastarda e
apócrifa, compreenderá porque podemos classificá-la de um estupro urbano.
Coteje-se o nosso metrô com os de São Paulo, do Rio e de Brasília e chegamos à
mesma conclusão.
Sua continuação, a Linha 2, será uma estrada de ferro barulhenta que irá
destruir o canteiro central da Av. Paralela e correr entre alambrados dividindo
a cidade no meio, segregando a população do Miolo dos condomínios fechados da
Orla. Ao nível do solo, em 13 km, nenhuma passagem, apenas viadutos sem
passeios. A Paralela será uma via suburbana de ligação de Salvador com Itinga,
em Lauro de Freitas, e Abrantes, em Camaçari. Com tais agressões será inevitável
a depreciação de seus imóveis. Custaria pouco fazê-lo em trincheira com laje
recoberta por um parque e ciclovia. Porque os moradores e comerciantes da área
não lutam por isto?
Uma segunda violação é recente e se chama Via Expressa. Uma via portuária
necessária de duas faixas, mas hiper-dimensionada com mais oito e 14 viadutos,
que não resolveram o problema do Abacaxi e criaram outros. Bairros como
Soledade, Caixa D´água e Liberdade perderam sua ligação com a Água de Meninos,
Baixa dos Sapateiros e Av. Heitor Dias. A Via Expressa não é uma avenida urbana,
é uma autopista seccionando a cidade com pistas e tuneis embaralhados devido a
erros de locação, sem faixas de desaceleração, passeios, zebras, sinalização,
nem arborização. É mais uma barreira para separar a cidade pobre da rica
ensejando mais segregação e violência.
Por onde passou a via deixou um rastro de destruição que mais parece um
bombardeio. A ladeira Canto da Cruz e a estrada da Rainha desapareceram. A
Soledade, sítio histórico por onde entrou a tropa libertadora do país, em 2 de
Julho de 1823, foi mutilada e seus belos sobrados azulejados estão escorados e
caindo. O Solar Bandeira, testemunho do ciclo do açúcar, com seu jardim à
cavaleiro da baia está com o telhado escorado. Cerca de R$420 milhões foram
gastos em beneficio do carro, que não tem mais futuro, e nenhum centavo em favor
de outros modais, do pedestre, do patrimônio histórico, da arborização e do
tratamento das feridas que provocou.
Por que São Paulo, Rio e Brasília têm obras-d’arte que são premiadas e nós
projetos ruins e obras mal acabadas? É que há 50 anos começaram a desmontar os
núcleos de planejamento do estado, como a CPE, o DERBA com seu laboratório
referencia nacional e a Conder, como órgão de planejamento metropolitano, para
consumirmos os pratos-feitos oferecidos por empreiteiras interessadas. Somos
também responsáveis! Precisamos voltar a lutar por uma Bahia grande e bela, por
um planejamento participativo de longo prazo e não aceitarmos agressões a nossa
cidade sob a alegação de ser supostamente o mais barato.
SSA: A Tarde, de 19/01/14