Artigos de Jornal
A intelligentsia baiana em crise
O termo designava a elite intelectual russa do século XIX, mas tem sido
aplicado a outros contextos. A Bahia teve uma intelligentsia política no
passado. Trataremos especificamente das seis primeiras décadas do século
passado. Ela era formada por intelectuais conservadores e de centro esquerda
cooptados pela política no período de Vargas e no breve hiato democrático
pós-Vargas. Independente de suas orientações ideológicas eram intelectuais
indiscutivelmente competentes e engajados na ação política. Muitos deles
chegaram a altos postos do governo e se destacaram como intelectuais no plano
nacional.
Podemos citar lideranças como J.J. Seabra, Otavio Mangabeira, Luiz Viana Filho,
Roberto Santos e candidatos como Rui Barbosa e Pedro Calmon, ainda que
derrotados nas urnas. Em um segundo escalão, podemos citar, entre outros, os
educadores Álvaro Augusto da Silva, idealizador do ICEA, Isaias Alves fundador
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Anísio Teixeira idealizador da
Escola Parque e da rede de escalas interioranas e Edgar Santos fundador da UFBA,
que pôs a Bahia na vanguarda das artes nacionais. Possuíamos produtores
culturais como Alexandrina Ramalho da SCAB, Adroaldo Ribeiro Costa da Hora da
Criança, Pinto de Aguiar da Editora Progresso, Lina Bardi do Museu do Unhão,
Glauber Rocha, Roberto Pires e Walter da Silveira criadores do cinema baiano e
João Augusto do Teatro dos Novos.
Planejadores como Tosta Filho, que recuperou a região cacaueira depois do craque
de 1929, Mario Leal Ferreira e Diógenes Rebouças, criadores do EPUCS, Nestor
Duarte que instalou colônias agrícolas de japoneses e italianos no interior e
Rômulo Almeida secretario de estado, que criou a CPE e foi o idealizador do
Centro Industrial de Aratu e do COPEC. Discutindo o contraditório o jornalismo
combativo de Wilson Lins no Imparcial, Ernesto Simões Filho e Jorge Calmon em A
Tarde, Odorico Tavares nos Diários Associados, João Falcão e João Carlos
Teixeira Gomes, o Joca, no Jornal da Bahia.
No setor privado empresários que projetaram companhias locais no plano nacional
como os banqueiros Francisco Sá, Clemente Mariani e Fernando Góes dos bancos
Econômico e da Bahia, construtores como Norberto Odebrecht, Chico Valadares e
Otto Schep que transformaram uma construtora falida em um nome nacional e Mamede
Paes Mendonça do Bom Preço.
Hoje o cenário da Bahia e de conformismo e passividade, nenhum político de
projeção nacional, nenhum planejador, nem uma oposição que cumpra o seu papel.
Não temos mais bancos, grandes empresas com sede na Bahia, nem movimento
cultural. Salvador, outrora comparada a Toledo na Espanha, foi destruída pela
especulação imobiliária e por obras públicas contestáveis e de péssima
qualidade.
A crise de desenvolvimento do estado deriva da morte desta intelligentsia.
Contestarão dizendo que o momento é outro e a crise baiana decorre da
internacionalização da economia e da conjuntura regional. Não é verdade,
Pernambuco e Ceará estão passando a Bahia com seus portos e serviços modernos,
movimentos culturais e turismo diferenciado.
A que se deve isto? Sem dúvida à repressão da ditadura, que na Bahia, além do
caráter ideológico, teve um viés personalista e de disputa hegemônica do poder
econômico e social local. Não apenas jovens de esquerda foram perseguidos,
presos e torturados, mas intelectuais, artistas e empresários, que quando não
foram presos tiveram de se exilar em outros estados e no exterior. Que o digam
Emiliano José, Rui Patterson, Juca Ferreira, Joca, Joaci Góes, Luis Henrique
Dias Tavares, Juarez Paraíso, Lina Bardi, Caetano e Gil, e os grupos econômicos
Mariani e Paes Mendonça. O autoritarismo na Bahia não acabou em 1985. Se já não
se “prende e arrebenta”, não se discute, nem compartilha as decisões.
Em defesa da democracia e do desenvolvimento precisamos constituir uma oposição
que defenda alternativas, reconstrua a universidade publica como um centro de
pensamento crítico e inovador, recrie núcleos de planejamento público e acabe
com a submissão a um poder econômico míope, que aproveita o vácuo do estado,
para oferecer projetos oportunistas, sem futuro.
SSA, A Tarde, 02/02/14