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Um atraso de 40 anos no fisco municipal

  • 16 de Fevereiro de 2014

Não são apenas 18 senão 40 anos de atraso do fisco municipal. Não porque o valor venal dos imóveis não tenha sido atualizado neste período, senão porque não se concebe mais que o IPTU possa bancar a manutenção da infra-estrutura e serviços de uma cidade moderna. A Crise do Petróleo de 1974 provocou, entre outros efeitos, um grande impacto na sustentabilidade das cidades. Ao contrario do que ocorreu no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos a questão foi discutida com a sociedade e equacionada adequadamente. O fundamento dessa nova política foi o reconhecimento que o município é quem promove a mais-valia do solo urbano e deve ser recompensado e que o direito à propriedade do solo não tem necessariamente a ver com o direito de construir.

O equacionamento deste problema teve dois encaminhamentos. Na Europa optou-se pela figura do “solo criado”, ou venda pelo município do espaço aéreo, enquanto que nos Estados Unidos flexibilizou-se o direito de propriedade criando-se a figura da “transferência do direito de construir” –TDC. O “solo criado” consolidou-se na legislação italiana com a separação absoluta dos dois direitos, mas a lei francesa, de 1975, reconheceu que o proprietário tinha direito de construir uma área equivalente a de seu terreno. Além desse limite, toda construção excedente ficava condicionada ao pagamento de uma contribuição ao município para financiar infra-estruturas e melhorias urbanas.

É com essa taxação sobre a indústria imobiliária que se financia na Europa a ampliação da infra-estrutura instalada e não com o IPTU, que grava principalmente a atividade residencial não produtiva. Até então a indústria imobiliária capitalizava em seu proveito a mais-valia produzida pelo investimento público. Com essa nova política fiscal o município passa a usufruir da mais-valia que ele próprio criou podendo assim realimentar o processo de urbanização. Esta doutrina deu origem no Brasil à figura da “outorga onerosa”.

Nos EE. UU. em 1973 foi introduzido em Chicago, um instrumento semelhante, mas brando, o “space adrift” (espaço flutuante) visando a aquisição pelo município de área verdes sem desembolso e compensação de proprietários de edifícios tombados situados em zonas de maior gabarito. Este era um instrumento de planejamento urbano, pois o município indicava áreas para receber esses créditos onde havia infra-estrutura ociosa e interessava desenvolver. Surgiu assim a TDC, ou na nomenclatura jurídica baiana “transcon”.

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, regulamentou a questão em âmbito nacional através dos artigos No 28, que trata da “outorga onerosa”, e o No 35, que trata do TDC. A transcon, introduzida em Salvador através da Lei 3885/87, confirmada pela Lei Orgânica do Município de 1990, deveria servir para criar praças e parques, formar estoque de terras e preservar o patrimônio. “Transcon à moda baiana” (A Tarde 29/8/10) só serviu para hiper-inflacionar o preço dos terrenos, congestionar a cidade com mais carros, saturar a infra-estrutura e desmatar em transações nebulosas.

Com o PDDU-2008, a Prefeitura doou à especulação imobiliária milhões de metros quadrados de direitos de construir aumentando os Coeficientes de Aproveitamento Básico – CAB para 2 e de Aproveitamento Máximo – CAM para 4, o que permite duplicar a altura dos edifícios, através da compra de transcons. Precisamos acabar com essa farra de compensações milionárias de supostas invasões que em muitos casos são apenas loteamentos clandestinos ou consentidos, para transformar débitos de IPTU em créditos de transcon.

Com a judicialização do novo IPTU, que rompe com o principio da razoabilidade e não considera a função social de imóveis não residenciais, o prefeito tem a oportunidade de fazer a coisa certa na modulação do PDDU e LOUS, aumentando as áreas de outorga onerosa, reduzindo os valores do CAB e do CAM, fazendo operações urbanas consorciadas e taxando garagens e “varandas gourmet” que são fechadas logo que o edifício é entregue. Há formas mais inovadoras de financiar a cidade sem onerar surrealisticamente o IPTU.

SSA, A Tarde de 16/02/14


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