Artigos de Jornal
Os percalços do planejamento privado
O planejamento público foi extinto com a tese neoliberal da desregulamentação
e redução do estado do Terceiro Mundo e o interesse dos partidos no
aparelhamento. Os projetos passaram a ser feitos pelas empreiteiras que
executariam as obras e as exploriam. Ao estado caberia apenas financiar. Foi
assim na Fonte Nova e será em outros projetos anunciados. Com essa política as
grandes construtoras incorporaram as empresas de planejamento para elaborarem
projetos básicos que são oferecidos ao poder publico e dessa maneira pegarem as
obras.
É ingênuo pensar que por trás desses projetos ofertados não exista um plano mais
ambicioso. No caso de Salvador fica evidente que o plano é a blindagem da área
mais valorizada da cidade, a orla do Atlântico. A blindagem se faz com a criação
de barreiras intransponíveis de segregação social, como a Via Expressa e o trem
suburbano da Paralela, e o final do metrô na Lapa. Aquelas duas vias formam uma
barreira de cerca de 20 quilômetros, que se inicia em Água de Meninos e chega a
Lauro de Freitas.
Desenhadas pelas empreiteiras, sem o crivo técnico do estado nem de audiências
públicas, esses projetos são inadequados, superdimensionados e de prioridades
duvidosa. São projetos carimbados apresentados como sendo a única solução
viável, legitimados através de Procedimentos de Manifestação de Interesse
sumários.
Como exemplo de via inadequada que não liga, senão segrega, temos a Linha 2 do
metrô na forma como foi licitada. Ela será apenas uma ferrovia suburbana de
ligação de Salvador a Lauro de Freitas e no futuro a Camaçari e irá destruir o
canteiro central da Av. Paralela e perturbar o sono de seus moradores. Correndo
entre alambrados ela dividirá a cidade no meio. Ao nível do solo nenhuma
passagem para carros ou pedestres, apenas viadutos sem passeios ligam as duas
partes. Seus moradores e usuários só despertarão quando seus imóveis valerem a
metade e não ha mais jeito.
A Via Expressa é um exemplo de obra super-dimensionada para superfaturar.
Concebida como uma via portuária de duas faixas ela foi transformada
inexplicavelmente em uma estrada de dez faixas, três tuneis e 14 viadutos que
não conseguiu resolver o engarrafamento da rotula do Abacaxi. A Via Expressa não
é uma avenida urbana, é uma autopista seccionando a cidade, sem passeios,
passarelas, sinalização, nem arborização. É mais uma barreira para separar a
cidade pobre da rica promovendo segregação e violência. Cerca de R$420 milhões
foram gastos em beneficio do carro, e nenhum real em favor de modais públicos,
do do pedestre e da melhoria da qualidade de vida urbana.
Outro exemplo de super-dimensionamento são as obras de articulação da Paralela
com o Imbui. Onde bastaria um trevo de duas folhas, mais simples que as
tesourinhas de Brasília, estão sendo feitas duas vias elevadas com três
quilômetros ao custo de R$ 65 milhões. Enquanto isto, o plano de ciclovias para
Salvador elaborado pela Conder orçado na metade desse preço mofa nas gavetas.
Por fim, volta a ser anunciada a licitação da Ponte Salvador-Itaparica, obra
estimada inicialmente em R$ 7,5 bilhões, que não servirá para muita coisa. Não
trará a soja e o minério do Oeste, pois já existe a Fiol, não beneficiará o
Recôncavo porque saltará de Salvador para Jaguaripe e não substituirá o ferry
boat como a ponte do Rio- Niterói não eliminou as barcas. Com este dinheiro se
poderia construir 200 mil habitações populares e eliminar todo o déficit
habitacional do estado.
Isto ocorre quando o Governo Federal corta R$ 44 bilhões de seu orçamento e o
estado pede a antecipação de quatro anos de royalties da Petrobrás para fechar o
caixa. Não chega a ser um problema para as empreiteiras. Iniciadas as obras e em
seguida paralisadas, elas continuarão recebendo dinheiro para não fecharem os
canteiros. A Linha 1 do metrô de Salvador é um bom exemplo de duplicação de
custo, redução da obra à metade e inatividade por força deste dispositivo
contratual. Não dá para entender!
SSA: A Tarde, 02/03/14