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Legado da Copa e padrão FIFA
Durante muito tempo, a propaganda oficial falava do legado da Copa. Esse
discurso mudou para obras padrão Federação Internacional de Futebol (FIFA).
Quanto ao legado, na quase totalidade das 12 cidades onde serão realizados
jogos, a Copa deixará apenas a reconstrução de estádios, que poderiam ser
reformados por um terço do custo de novos, estes com menor capacidade que os
antigos. É lamentável termos perdido a oportunidade de direcionar a cidade para
outros rumos, diminuindo sua congestão. Só Pernambuco soube fazer isso, porque
tem planejamento.
Se para cada espectador da arena vierem mais dois acompanhantes, teremos, no
máximo, 150 mil pessoas ou um quarto das que vêm anualmente ao Carnaval da
Bahia. Em Salvador, nem metrô, nem Veículo Leve sobre Trilho (VLT) ou Bus Rapid
Transit (BRT), nem mesmo a renovação dos velhos hotéis. Os R$ 400 milhões de
financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) para melhoria urbana
foram repassados integralmente para a concessionária Fonte Nova Negócios e
Participações (FNP). Recursos praticamente doados, pois, com garantia do Governo
Federal. Pela construção e gestão do estádio, por 15 anos a FNP irá receber R$
1,6 bilhões e mais 25.000 metros quadrados de terreno no centro da cidade para
construção de shopping e escritórios.
Afinal, qual é o saldo dessa Copa? Perdemos um complexo esportivo com duas
grandes piscinas, pistas de atletismo e um ginásio de esportes. Perderam os
times, em especial o Bahia, que terá que dividir a bilheteria e os direitos de
transmissão com o novo dono do estádio. Perdeu a Bahia ao ter a homenagem a um
dos seus maiores filhos, Otávio Mangabeira, transferida para uma cervejeira de
Alagoinhas.
Imaginem o Maracanã ser reduzido à Arena Schin, ou o estádio Mané Garrincha ser
transformado em Arena Pitu ou 51. Perdeu o torcedor, que teve o seu estádio com
a capacidade reduzida a quase a metade e os ingressos aumentados em proporção
inversa. Perdeu, também, por não mais poder escolher o que beber e comer. A
publicidade não é mais sugestiva ou subliminar, é compulsória.
Quanto ao padrão de qualidade FIFA, é preciso analisar a construção dos
estádios. A quase totalidade deles foram projetados por arquitetos indicados
pela FIFA, com coberturas da RFR Stuttgart. Deixemos de parte os prazos e
orçamentos estourados. O nosso, projetado pelo Arq. Marc Duwe, tem erros
elementares, como a não articulação do estádio com o metrô vizinho e sua saída
principal em escadaria, despejando diretamente na pista de uma das vias mais
velozes da cidade. Para alojar as bilheterias e portarias de entradas, foi
improvisado um colar de barraquinhas de lona em volta ao estádio. Embora bonito
por fora, imitando o antigo, o acabamento de seu interior é de terceiro mundo.
Esse padrão estaria ligado à transparência. A pergunta é: para onde vão os
direitos de transmissão de TV, bilheterias, patrocínios e merchandising que a
FIFA arrecada sem investir um centavo? A FIFA não faz nada pelo futebol amador e
pela educação esportiva. Ainda que por acaso, a sede da associação está na
Suíça, onde as contas são sigilosas. Sobre a FIFA, é preciso ler o livro de
Andrew Jennings, publicado na Inglaterra em 2006, cujo título em português seria
“O mundo secreto da FIFA: subornos, manipulação de votações e escândalos de
bilheterias”. Ao livro, se seguiram outras denúncias apontadas no parlamento
inglês e na British Broadcasting Corporation (BBC).
Uma delas é que três membros do conselho da FIFA, incluindo Ricardo Teixeira,
teriam recebido suborno para escolherem o Qatar como sede da Copa de 2022, um
país com a metade da população de Salvador, com temperaturas acima de 40ºC e sem
futebol.
João Havelange, presidente da FIFA durante 24 anos, teve que renunciar em 2013 a
presidência de honra da FIFA para não ser julgado pelo seu conselho de ética e
justiça da Suíça (http//pt.wikipedia.org/wiki/Jo%25C3%253º_Havelange em
10/03/14). Seu sucessor, Joseph Blatter, está no poder há 16 anos, numa
administração nebulosa. O genro de Havelange, Ricardo Teixeira, presidente da
FBT durante 23 anos, teve que renunciar em 2012, três anos antes do prazo, e ir
morar no exterior diante de reiteradas denúncias de corrupção e sonegação fiscal
(HTTP//wikipedia.org/wiki/Ricardo_Teixeira,em 10/03/14). É esse o legado ou o
padrão FIFA?
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 16 de março de
2014