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O culto brasileiro ao belo

  • 13 de Abril de 2014

A tríade verdadeiro-bom-belo foi formulada originalmente na Idade Média, mas se transformou num clássico. No século XIX, Victor Cousin em um livro de grande sucesso, que tem este titulo, afirmou que em todas as épocas estas foram as preocupações básicas da filosofia. Coube a Frederich Nietzsche, em 1886, mostrar o antagonismo destas três ideias. O culto brasileiro ao belo parece confirmar as observações de Nietzsche. Aqui o belo é um valor dissociado e até antagônico aos demais itens da tríade. Exemplo disto é a proliferação de lojas de decoração, academias de ginástica, spas, salões de beleza, clinicas de cirurgia plástica e ortodontia, que nada têm a ver com o bom e o verdadeiro.

A arquitetura colonial brasileira é mais barroca e bela que sua matriz portuguesa, dita chã. Niemeyer dizia que sua obra reproduzia as curvas graciosas da paisagem carioca e da mulher brasileira. Nenhum profissional liberal ou butiqueira que se preze dispensa um decorador para dourar seu consultório ou loja com moveis de design não necessariamente cômodos. Este é um requisito fundamental para o sucesso profissional ou comercial, o que confirma que os seus clientes são também cultores do belo. Por isso, não obstante os preços exorbitantes de móveis, tapetes e objetos de design, as lojas do ramo se reproduzem como coelhos em cidades grandes, médias e até pequenas. Esta preocupação estética não se restringe aos espaços de trabalho ou morar, se estendendo ao próprio corpo, num narcisismo próprio dos brasileiros.

O segundo lugar da bela Marta Rocha no concurso de Miss Universo em 1954 provocou uma comoção no país quase igual à perda da Copa de 1950. Vinicius de Morais pedia desculpa às feias, e dizia que beleza era fundamental.
O Dr. Keneth Cooper, autor do livro Aerobics (1968), treinador das forças armadas norte-americana e conselheiro da seleção brasileira de futebol na década de 1970, afirmava que em nenhum país seu método de fazer corpos sarados teve tantos aficionados como no Brasil, a ponto de seu nome ser sinônimo de jogging.

O Brasil é campeão mundial de cirurgias plásticas. Os nossos cirurgiões são considerados dos mais competentes do mundo, perdendo apenas para os colegas tailandeses em operações transexuais. Algumas mulheres fazem operações plásticas periódicas para diminuírem ou aumentarem os seis, o glúteo e colotes em função da moda. Uma brasileira residente nos Estados Unidos é a campeã mundial de seios siliconados, alguma coisa da ordem de quatro quilos, o que lhe salvou em um acidente de carro quando o air bag falhou. Modelos e atrizes se internam em spas durante semanas ou fazem lipoaspirações para uma simples apresentação ou sessão de fotos para revistas masculinas. Também os homens já aderiram a esta prática para mostrar o tórax malhado sem fazer esforço, ou eliminar barrigas hemisféricas, “pneus” e carecas.

Turistas estrangeiros se espantam com a quantidade de pessoas, inclusive de pequena renda, que usam aparelhos de ortodontia nas nossas cidades. Hoje simulacros desses aparelhos, coloridos para serem mais atrativos, são vendidos em tabuleiros de camelôs ao lado de sutiãs e ancas infláveis ou acolchoadas. Perto dali estão as tendas de tatuadores com álbuns de dragões orientais, aves do paraíso, corações flechados, abecedários artísticos e frases do “secretario amoroso” para serem tatuados em homens e mulheres apaixonados ou narcisista que querem atapetar todo corpo com desenhos coloridos.

O belo nesses casos não corresponde ao verdadeiro. Pelo contrario, uma mulher ou homem siliconado, ainda quando considerado belo, está mais para propaganda enganosa que para a autenticidade. Do mesmo modo, sua beleza não corresponde ao bom, ou saudável. Um cantor popular faoso quase morreu por abusar de anabolizantes para aumentar a massa muscular e se apresentar de peito nu em frente de suas admiradoras e fãs.

Todo arquiteto sabe que uma das funções da decoração é encobrir um defeito de construção. Um deles, o checo Adolf Loos, radicalizou o discurso e escreveu, em 1908, um livro famoso chamado “Ornamento e crime”. Os maquiadores podem dizer o mesmo, e Caymmi sintetizou isto muito bem numa canção quando ele pediu a Marina Morena para não se pintar, “pois você já é bonita como Deus lhe deu”.

SSA: A Tarde, 13/04/14


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