Artigos de Jornal
E o “guayacán” voltou a florir...
Era uma vez uma cidade chamada Guayacán dominada por um barão perverso,
sétimo homem mais rico do mundo e dono de 80 % do comercio mundial de sonhos e
pesadelos. Grande parte de seus habitantes eram mulas, que transportavam sonhos
pesados como chumbo. Sua lei era “plata o plomo” - dinheiro ou chumbo - e com
isso ele controlava juízes, legisladores, governantes e cidadãos. Três
candidatos a presidentes de seu país e milhares de mulas suspeitas e rivais
foram mortos por ele. Em 1991 o número de homicídios por cem mil na cidade era
de 381. Dois anos depois a cidade se revoltou e o matou, mas continuou dominada
pelo barão de uma cidade vizinha. A partir de 2004 esta “Sin City” começou a
mudar, quando o irmão do governador do estado, sequestrado e morto um ano antes,
resolveu assumir a luta e mudar o estado e a cidade. O guayacán, o nosso ipê
amarelo, voltou a colorir os tetos de zinco da grande favela.
Esta não é mais uma fabula cruel com final feliz, é uma historia real. Guayacán
é o símbolo de Medelín, na Colômbia, e o barão era Pablo Escobar. Em 2007 a taxa
de homicídios despencou para 34 e o índice de alfabetização subiu para 96,65%.
Medelín conseguiu isto rompendo a segregação sócio-espacial com um inovador
sistema de metrô, BRT, teleféricos e escadas rolantes, que chega aos pontos mais
isolados da cidade. Ali foram instaladas bibliotecas-parques, escolas e museus
de primeiro mundo, e não meias-solas, onde se faz a inclusão social.
Há três semanas, pessoas vindas de todos os cantos do mundo vieram conhecer o
milagre de Medelín. O prefeito Aníbal Gaviria(48) e seu parceiro nesta luta, o
governador da província de Antioquia Sergio Fajardo, se juntaram ao premio Nobel
de economia Joseph Stiglitz, ao Dr. Joan Clós, diretor executivo do Habitat e ao
ex-prefeito de Nova York, o bilionário Michael Blomberg para divulgarem para o
mundo o que aconteceu na cidade, no VII Fórum Urbano Mundial, da ONU-Habitat.
Uma dezena dos maiores profissionais e teóricos do urbanismo foi convidada a
avaliar criticamente a experiência de Medelín.
Prefeitos, entre os quais a nossa vice, empresários, diretores de fundações e
ongs, lideres sociais e tribais e técnicos, como este escriba representando o
CAU/BR, discutiram o futuro das cidades em mesas redondas e diálogos. O tema
central era Equidade Urbana no Desenvolvimento de Cidades para a Vida. Dentro
deste marco foram discutidos os efeitos das mudanças climáticas; o processo
acelerado de urbanização que transformou nossas cidades em favelões; a crescente
segregação sócio-espacial com barreiras físicas e sociais, a mobilidade urbana e
a inclusão social para combate à violência.
A escolha de Medellín não foi por acaso, a cidade acaba de ganhar o concurso
City of the Year, organizado pelo The Wall Steet Journal, como a cidade mais
criativa do mundo. Este milagre se deve a inclusão social realizada pelas
empresas publicas Desarrollo Urbano e Transporte Masivo del Valle de Aburrá, da
mais alta qualificação e eficiência voltadas para o social. O premio Nobel
Stiglitz sintetizou a experiência: “O que me agrada em Medelín é que se está
focando o conceito de dignidade, ao criar espaços atrativos e fazer as pessoas
se sentirem bem. Não é apenas uma luta pela sobrevivência, é uma aposta no
brilhantismo”.
O prefeito Gaviria é um administrador formado em Harvard. O governador Sergio
Fajardo é professor universitário e ex-diretor do Centro de Ciência e Tecnologia
de Antioquia. É uma pena que nossos secretários de planejamento estadual e
municipal não estivessem presentes para se contaminar com Medelín como fizeram
20.000 administradores e técnicos de todo o mundo.
Apesar de sermos a 13ª cidade mais violenta do mundo, a experiência de Medelín
nos renova a esperança. Mas para isto temos que apostar na reconstrução do setor
público, no planejamento com foco no social, na inteligência e criatividade de
nossos cidadãos. Não podemos continuar a licitar projetos apócrifos pelo menor
preço. Temos que respeitar a dignidade do nosso povo.
SSA: A Tarde, 27/04/14