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Decifra-me ou te devoro

  • 06 de Julho de 2014

As grandes manifestações de rua do ano passado, que replicam até hoje, é um enigma semelhante ao da esfinge de Tebas. Ninguém até agora conseguiu decifra-lo. Será que foi por acaso que a multidão tentou invadir o Congresso, o Itamaraty, palácios estaduais e municipais, quebrar agencias de bancos e lojas de carros de luxo e queimar centenas de ônibus em todo o país?

Quem era e o que queriam aqueles “vândalos”, que segundo as autoridades e mídia não faziam parte do admirável gado novo apascentado, ninguém sabe por quem, pelas avenidas de todas as capitais do país? Estranho que isto ocorra quando 34 milhões saíram da pobreza, o emprego está em alta e a classe media surfa no consumo. As antenas do poeta Arnaldo Antunes já haviam captado esta insatisfação em 1987: “Comida é pasto. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade”.

Dizer que as manifestações foram apenas contra a Copa e orquestradas pela mesma elite que vaiou a presidente no Itaquerão é querer tapar o sol com a mão. Ainda não existe uma explicação para o fato, mas uma das melhores abordagens da questão foi feita pelo sociólogo e professor da PUC-Rio Luiz Werneck Vianna em entrevista na Revista de Historia da Biblioteca Nacional, do mês de junho, nº 105. Luiz Werneck é um intelectual de esquerda, que não faz parte da elite nem da mídia conservadora.

Werneck afirma que o economicismo tradicionalmente usado para explicar acontecimentos sociais não decifra esses novos fenômenos. “Ficou claro que há uma distancia imensa entre o estado e a sociedade, apesar da existência de todos esses aparelhos... para dar conta de questões especificas, como gênero, juventude”. Conflito que é dramático nas UPPs do Rio e de S. Paulo. “Há um verdadeiro levante popular que não se encontra com nenhuma mediação institucional: partidos, sindicatos, associações. Uma energia muito forte que não é canalizada para um fim determinado” (p.50), afirma ele.

Werneck admite que o movimento estivesse originalmente ligado a uma classe média emergente e até a setores tradicionais: “O Movimento Passe Livre, por exemplo, nasceu na USP com estudantes de origem financeira mais alta. Mas o fato é que isto galvanizou a imaginação dos jovens que se fizeram presentes. E a questão toda gira em torno de por que eles não encontraram canais visíveis e já estabelecidos para onde essas demandas pudessem desembocar” (p. 50).

Sobre esta falta de comunicação comenta: “Vencidas as eleições, o PT negligenciou sua própria identidade. Deixou de ser um partido da sociedade civil, mobilizador, e passou a viver como um partido de Estado, com políticas de Estado para seres subalternos selecionados, hiperburocratizado, perdeu capacidade de organização, deixou de exercer papel pedagógico, de ensinar às pessoas o que se está passando, o que se pode fazer”(p.52). Os demais partidos também perderam a identidade. “O que se está disputando (agora) nem é um projeto de sociedade ou país. Trata-se de quem irá administrar, no dia a dia, essa cinzenta ordem burguesa no país” (p.53). Esta reflexão é importante para reaproximarmos o estado da sociedade.

SSA: A Tarde de 06/07/14


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