Artigos de Jornal
A Copa das surpresas e do despertar
Um dos ingredientes mais importantes de um espetáculo é a surpresa. Neste
sentido a Copa da FIFA de 2014 foi um sucesso. Ninguém poderia imaginar que as
seleções da Espanha, Itália e Inglaterra não passariam das eliminatórias, e que
o anfitrião pentacampeão tomasse tamanha goleada. Surpresas também positivas. A
Copa transcorreu tranquila, contra todos os prognósticos da mídia, sem
violência, arrastões e protestos, inclusive como os que ocorrem durante os World
Economic Foruns.
Comportamento exemplar do público, inclusive nas derrotas, como dizendo roupa
suja se lava em casa, mas tem que ser lavada. Nosso governo que foi
desrespeitado e se submeteu a todas as exigências absurda da FIFA, mudando leis,
abrindo mão do aluguel das arenas e impostos, tomou coragem não abafando os
indícios de corrupção de um diretor da Match ligada à FIFA.
Surpresa também que países pequenos, como a Costa Rica, Bélgica e Holanda
chegassem às quartas de finais e perdessem só nos pênaltis, países de grande
tradição democrática, que não permitem o desvirtuamento do esporte e
transformação dos jogadores em mercadoria de exportação. A Alemanha venceu
porque planeja e leva a sério o esporte, com uma seleção doméstica, sem
prima-donas e gestão técnica. Nossa seleção titular só tinha um jogador da casa,
Fred, e teve três técnicos em quatro anos, manipulada pela nebulosa CBF.
Precisamos voltar a ser o país do futebol. Hoje o público nos nossos estádios é
menor que o da Austrália e dos EE UU, e com a “gentrificação” das arenas tende a
diminuir. As ruas estavam vazias, com o povão em casa assistindo aos jogos nas
telas grandes de TV. O Fest fan, com telão e shows, era dos turistas e da
“elite”. Precisamos fortalecer os times locais e legalizar e equipar nossos
campos de várzea e de peladas, que podem tirar muitos de nossos jovens da droga.
Dos 20.000 jogadores brasileiros, 80% ganham menos de dois salários mínimos,
devido a ação da CBF e da mídia televisiva que transformou o futebol do Sul
Maravilha em espetáculo de TV e das demais regiões sem importância.
Mas o futebol tem uma função social maior, como dizia Thales de Azevedo em 1973
no artigo “Futebol como objeto de estudo” publicado neste jornal. Ele já
exaltava a função educativa do futebol, e o papel da crônica esportiva
incentivando o raciocínio crítico sobre “as técnicas e estratégias desenvolvidas
pelos treinadores, as hierarquias profissionais e sociais nas equipes, as
combinações de jogadores no campo, as características de cada membro dos
times(...)”. Outro antropólogo, Roberto da Matta, afirma que o futebol
brasileiro reflete a nossa sociedade e vice-versa. Foi o que se viu nessa copa.
A TV Globo depois de uma campanha ufanista vazia descobriu que o rei estava nu e
seus repórteres passam a acusar o técnico e os jogadores. Como disse Romário, a
culpa não é deles, senão dos cartolas, “um bando de ladrões, corruptos e
quadrilheiros”. Campeões mundiais como Pelé e Romário que vêm denunciando o
cartel FIFA/CBF/TV foram defenestrados da Copa. Precisamos restaurar o Clube dos
13, ouvir o movimento Bom Senso Futebol Clube e atualizar a Lei Pelé para
resgatar o nosso futebol. Que esta derrota, como a de 1950, deflagre uma nova
era do futebol no país.
SSA, A Tarde de 20/07/14