Artigos de Jornal
Mortes no trânsito
Um dos efeitos mais trágicos do rodoviarísmo ainda vigente no país são as
mortes em carros, motos e atropelos em nossas cidades e estradas. As projeções
para este ano são de 48.349 mortes. Em números absolutos ocupamos o quarto lugar
nas estatísticas mundiais, só abaixo de países muito mais populosos, como a
China e a Índia ou sem infraestrutura, como a Nigéria. Esse número vergonhoso
resulta da ausência completa de políticas de transporte público e desmonte dos
sistemas ferroviário e da cabotagem no último meio século.
Assustadora são as taxas de acidentes e mortes em motos, cuja frota cresce mais
que a de carros devido aos engarrafamentos e facilidade de aquisição. Não temos
estatísticas confiáveis de mutilados no transito, mas este é um dos aspectos
mais graves dessa política que privilegia a produção, financiamento, combustível
e infraestrutura para o veículo individual e nada para os modais públicos e a
bicicleta.
Estive em Moçambique em missão da UNESCO, pouco depois da independência. Por
toda parte havia mutilados, e continuavam a chegar novos, pois ninguém cadastrou
onde pôs as minas-de-pé. Pude então entender a lógica perversa dessa arma que
não é feita para matar senão para aleijar, pois um mutilado desmobiliza três
soldados: o ferido e dois colegas que vão carregar a maca e lhe dar socorro. Na
guerra do transito, um mutilado significa não apenas uma baixa senão duas na
cadeia produtiva nacional. Pergunto aos economistas quanto custa à nação este
exército de mutilados e em especial quanto ele onera o sistema previdenciário?
Recentemente foi sancionada a Lei 12.971 aumentando em até dez vezes as multas
por infrações no transito. Mas a eficiência de uma lei não é função do valor das
multas, senão de sua fiscalização. O estado deve compreender que muitas dessas
infrações e mortes se devem aos buracos de nossas vias e à falta de sinalização,
guard rails, acostamentos, fiscalização e educação para o transito. As nossas
escolas de motoristas são moldadas em função de um exame de habilitação
obsoleto, que pergunta sobre sinais, primeiros socorros e faz a temível prova da
baliza. Este último item não traz segurança a motoristas nem pedestres, senão ao
carro do vizinho. Os novos carros fazem isto automaticamente.
A exigência recente dessas escolas instalarem simuladores foi regulamentada de
forma equivocada, como uma previa ao início do aprendizado e não como o termino,
simulando a direção em auto-estradas, o controle do carro em derrapagem, a
direção sob chuva e à noite. Os recém habilitados ignoram a eficiente
sinalização dos caminhoneiros e que eles não podem desacelerar em descidas ou
subidas para dar passagem a um automóvel em contramão. Que com o motor desligado
o freio de um carro não funciona e nesse caso é preciso usar o freio motor e de
estacionamento adequadamente. Sem dessa instrução muitos se lançam nas estradas
fazendo barbaridades, morrendo e matando. “País desenvolvido não é aquele que os
pobres andam de carro, é aquele que os ricos andam de transporte público”, como
diz Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, que com Medelín deviam ser exemplos da boa
mobilidade e segurança urbana para nós.
SSA: A Tarde de 09/11/14