Artigos de Jornal
Preservar o futuro
Um jornal do Sul criou, há anos, uma coluna dedicada à boa notícia do dia,
mas teve que fechar porque não havia nada a noticiar. Quando comecei a assinar
esta coluna esperava poder incentivar boas ações públicas e privadas para a
cidade. Cheguei a ressaltar algumas do passado, como a piscina do Sr. Oliveira
em Ondina e a restauração do cineteatro de Nazaré por Vampeta. Mas hoje, por
mais que procure, não encontro nada para festejar.
Não é que os gestores estaduais e municipais não estejam trabalhando. Pelo
contrário, a cidade está um canteiro de obras, numa corrida atropelada para as
eleições de 2016 e 2018. O problema é que são todos projetos improvisados,
carimbados e desarticulados. Não consigo entender um metrô rasteiro que acaba
com um parque de 12 km e não atende ao Centro Histórico (C,H,), ao Comercio e ao
vórtice do Campo Grande chegando a Lauro de Freitas sem passar pelo aeroporto.
Nem a transferência da rodoviária para a periferia do município, quando as
estações de transporte em todo o mundo estão no centro, ou a construção de um
BRT mirim cobrindo um rio e fazendo pirraça ao metrô e uma ponte de 7 bilhões
para substituir o ferry domingueiro numa cidade que alaga, desaba e mata quando
chove.
Trabalhei sempre na preservação do passado. Fiz o Inventario de Proteção do
Acervo Cultural da Bahia, único no país, em 7 vols. Como consultor da Unesco fiz
missões nos principais C.H. da América Latina, Caribe e África lusofone, mas
nunca fui chamado a opinar sobre o C.H. de minha cidade. Não tenho mágoa,
lamento apenas sua exclusão urbana e as mil escoras que não vejo em nenhum C.H.
do continente. Cusco, Cartagena e Quito são hoje importantes destinos turísticos
internacionais. Salvador poderia ser também, se fosse preservada. Lamento ver a
sede do arcebispado primaz do Brasil com o telhado ruindo e o palácio Boa Vista,
onde morou Castro Alves, se arruinando depois de um incêndio suspeitoso como
todos de Salvador.
Salvador já foi uma das paisagens culturais mais belas do mundo registrada por
gravadores holandeses e louvada pelos sábios Spix & Martius e Darwin. Hoje é uma
paliçada da pior especulação. Não estou preocupado só com o nosso passado, já em
parte destruído, senão com o futuro. Nossos filhos e netos estão ameaçados de
viver numa cidade sem identidade, horizonte e céu, infartada, alagadiça e
neurótica. O Parque de Pituaçu foi loteado entre instituições privadas e
invadido, a lagoa do Abaeté está sendo drenada para irrigar um campo de golfe e
os órgãos de planejamento e ambientais esvaziados. Não creio na criatividade da
Fipe, boa na tabela de carros usados, autora do Plano Salvador/500, cuja
principal proposta é a copacabanização da nossa Orla, sem calçadão.
É no presente que se constrói o futuro. O lançamento de um espigão de 100 m. de
altura junto à colina de Santo Antônio da Barra é um precedente gravíssimo que
demonstra a fragilidade do poder federal e municipal frente ao imobiliário. Foi
a política da PMS, nas décadas de 50 e 60, de preservar nossos vales que
permitiu a ACM, o Velho, executar a rede genial de avenidas planejadas 25 anos
antes. O que estamos preservando hoje para o futuro?
SSA: A Tarde, 13/09/15