Artigos de Jornal
“O meu ônibus”
Com este título, Thales de Azevedo escreveu neste jornal, em 12/4/1973, um
delicioso artigo, que transcrevo em parte, sobre o projeto do ônibus
biarticulado do prefeito Jaime Lerner de Curitiba, que permitiu a criação do
primeiro BRT do mundo. Como verão adiante, nada mudou na mobilidade de Salvador
nesses 42 anos. “Existe, afinal, o meu ônibus. Não que o haja comprado ou tirado
na rifa ou mesmo achado à porta de uma das fábricas do CIA. Também não o
encontrei no acostamento de alguma BR-não-sei-quantos. Não é nenhum desses em
que ando, tantas vezes, de pé, apertado, empurrado, sofrendo os
freios-de-arrumação, com calor e desconforto, outras vezes sentado mas, ainda
assim, em bancos mal cuidados, lutando para me esgueirar entre a massa dos
companheiros de sacrifício quando se aproxima o meu ponto. Não é esse que
aguardo, paciente, nas filas coleantes da Praça da Sé, sem abrigo, ao sol ou à
chuva...
“Meu ônibus é outro: é meu, mas não o possuo - infelizmente; porque não tirei a
loteria esportiva nem tenho vocação para esse comércio. Faço, quanto muito, o
desinteressado e não lucrativo “comércio das letras”, mas penso nos transportes
que se empregam entre nós, em nosso clima cálido e úmido e na quantidade de
gente que nos mesmos se mortifica comprimida, machucada, pisada, a maior parte
de pé, mal agarrada ao encosto dos bancos ou a um varal muito acima da cabeça,
suando, abanando-se, tombando nas curvas...
“Eis senão quando, surge, paradoxalmente no Paraná frígido, gelado, ventoso ao
menos nos seus muitos meses frios, um modelo de ônibus que é exatamente aquele
com que sonho há anos e que seria uma maravilha na Bahia, particularmente quando
combinado com a medida, adotada sabiamente em Curitiba, de reduzir ou eliminar o
tráfego de veículos individuais na parte central da Cidade. O Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba acaba de aprovar a proposta do ônibus
urbano desenvolvido por engenheiros da Faculdade de Engenharia Industrial de São
Bernardo do Campo, em São Paulo. Esse coletivo conduzirá confortavelmente nada
menos de oitenta passageiros sentados - e não os trinta e poucos daqui - em
assentos dispostos longitudinalmente em duas fileiras, deixando um amplo espaço
no centro para eventuais passageiros em pé”.
Thales de Azevedo, para os mais jovens, foi jornalista, historiador,
ficcionista, pintor e um dos pioneiros da antropologia do cotidiano, escrevendo
sobre namoro e paquera, a praia, ritos e ritmos de vida. Para resgatar o
pensamento do intelectual, a Academia de Letras da Bahia, a UFBA, a Fundação
Pedro Calmon e o Museu de Arte da Bahia e mais oito universidades estão
organizando o “Seminário Relendo Thales de Azevedo” a ser realizado entre 10 e
13 de novembro nesta cidade. O programa inclui uma exposição, lançamento de
livros, mesas-redondas e comunicações sobre temas variados e atuais. Edital e
programa estão no site htts://academiadeletrasdabahia.wordpress.com e no
tel.(5571)3321 4308, à tarde. As inscrições para comunicações com resumo vão até
05/10/15. Não percam esta oportunidade de conhecer e discutir as ideias
inovadoras de um dos maiores pensadores da Bahia.
SSA: A Tarde, 27/09/15