Artigos de Jornal
Salvador/400
Assisti, menino, ao IV Centenário de Salvador, em 1949, que hoje chamaríamos
de Salvador/400. Foi a criação um novo paradigma urbano com as inaugurações da
Av. Centenário, Escola Parque, Estádio da Fonte Nova, Fórum Rui Barbosa e Hotel
da Bahia. Mas não eram apenas obras com foco no social. Estávamos vivendo o
nascimento da UFBA, a realização do Salão de Artes da Bahia com a ala de arte
moderna de Mario Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Jener Augusto e
Caribé, a assinatura do convenio Estado da Bahia/Columbia Universiry de estudos
sociais, e a estruturação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na
Bahia. A prefeitura promoveu um monumental desfile histórico na Av, Sete de
Setembro, a peça Auto de Graça e Gloria da Bahia, que correu o país, e
encomendou dez livros fundamentais para entender a cidade. Vivíamos a queda do
nazi/fascismo, a redemocratização de 1946 e a recuperação do cacau. Mas o que
explica a valorização do social, da cultura e da razão foram quadros como Otávio
Mangabeira, Anísio Teixeira, Nestor Duarte, Thales de Azevedo, Diógenes Rebouças
e José Silveira e produtores culturais como Alexandrina Ramalho e Adroaldo R.
Costa, que mudaram a cara de Salvador.
Se dirá que os tempos são outros. Sem dúvida, mas tivemos a queda do muro de
Berlin, a redemocratização de 1985, a pílula, o ciclo do petróleo, o
tropicalismo e o Axé Music e nada mudou na Bahia nos últimos 40 anos. Nossos
heróis, artistas, empresas e bancos migraram para o sul ou fecharam. Restou
apenas o entulho de concreto dos viadutos e vias expressas e a sucata de carros
que não andam. São mínimos os avanços na distribuição da renda, na qualidade da
educação, na inclusão social e na cultura. É mais cômodo pensar que este
articulista é um saudosista, do que reconhecer a crise e querer superá-la.
Anuncia-se para março o plano estratégico Salvador/500. Os desafios e incertezas
são enormes nos próximos 35 anos: mudanças climáticas, crise da
representatividade, insurgência em rede, envelhecimento da população,
desindustrialização, novos/antigos modais de mobilidade, a paleta, a bicicleta e
o trem de ferro. Mas as possibilidades são também imensas: aumento da vida, ócio
criativo, turismo cultural, comunicação em rede e urbanidade solidária.
Conciliar estas duas coisas seria tarefa para os nossos melhores filósofos,
antropólogos, sociólogos, demógrafos, planejadores e urbanistas, em suma, para a
nossa academia antenada no social. Evidentemente não houve tempo para isto e os
resultados apresentados, até agora, pelos economicistas da garoa contratados
para nos diagnosticar deixam muito a desejar.
Mas houveram alguns avanços com relação aos projetos anteriores de PDDU:
audiências públicas, mobilização da sociedade, atuação do Ministério Público e
do Participa, vistos como oposição retrógrada e “política”, como nome feio, e
não como contribuição crítica e democrática ao processo. No conceito de
progresso reside o conflito das duas posições: se social-público ou
econômico-privado. Estamos perdendo a oportunidade de deflagrar uma inovadora
revolução sociocultural, como fizeram Otávio Mangabeira, Anísio Teixeira e Edgar
Santos.
SSA: A Tarde de 25/10/15