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A força discreta do povão brasileiro
Em 1990, o professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, cunhou a
expressão “soft power”, ou poder suave, para caracterizar uma política já
defendida pelo taoísmo, há 2.500 anos. Ela é uma estratégia de se conseguir
vitórias sem fazer a guerra. Isto pode ser conseguido por três vias: a exibição
do bastão, ou força de dissuasão; a compra com cenouras, ou sedução pela cultura
e atitudes políticas; e a cooptação, ou fazer que o outro compartilhe do nosso
projeto. A maior expressão contemporânea do “soft power” são as olimpíadas,
inventadas pelos gregos em 776 aC e ressuscitada na Era Moderna em 1896. As
grandes potências sempre usaram tanto o “hard power”, ou a porrada do bastão,
como o “soft power”, ou poder de persuasão. Isto foi muito evidente durante a
guerra fria entre os EUA e a União Soviética, e continua sendo usada, embora de
forma mais diversificada, com novos jogadores, como a Europa, a China, o Japão,
a Coreia e outras potencias emergentes.
O governo brasileiro, que só mandou soldados para duas guerras, e alheias - a do
Paraguai e a II Grande Guerra - nunca deu muita importância ao poder suave. A
cultura e os esportes são os dois fronts mais importantes da diplomacia suave de
uma nação. A América Espanhola, com população equivalente à do Brasil, tem 16
Prêmios Nobel e nós nenhum, porque o Itamaraty nunca se empenhou pelas
candidaturas de Carlos Chagas, Cesar Lattes, Dom Hélder Câmara e Jorge Amado
lançadas por intelectuais brasileiros. A Argentina tem cinco Prêmios Nobel, o
México três e a Guatemala dois.
Quem faz o “soft power” do Brasil é o nosso povão. Sim, somos conhecidos no
exterior pela música popular, pelo espetáculo do carnaval carioca, pela
habilidade de nossos Garrincha, Pelé, Ronaldinho e Neymar e mais recentemente
pela ginga da capoeira baiana. Éramos os pentacampeões de futebol, antes dele
virar produto de exportação. Na Copa de 2014 e Olimpíada 2016, duas festas que
se devem ao empenho pessoal do presidente Lula, a atuação esportiva dos donos da
casa não foi das mais convincentes. Perdemos no futebol para a Alemanha por 7x1
e ficamos no 13º lugar no número de medalhas olímpicas. A Inglaterra, com um
terço da nossa população, faturou três vezes e meio mais medalhas do que nós.
Se conseguimos mais duas medalhas que na Olimpíada de Londres foi porque dois
baianos, um canoeiro de Ubaitaba, Isaquias Queirós, e um lutador de box, de São
Caetano em Salvador, Robson Conceição, sem treinamento adequado, nem patrocínio,
faturaram quatro medalhas: uma de ouro, duas de prata e uma de bronze. E uma
garota de uma favela violenta do Rio de Janeiro, Rafaela Silva, xingada por não
ter trazido prêmios de Londres, ganhou uma medalha de ouro no judô. Vitórias
surpreendentes e espetaculares em esportes de força e resistência, como a de
dois também excluídos internacionais, o queniano Eliud Kipchoge, na maratona, e
o jamaicano Usain Bolt no atletismo, na mesma olimpíada.
O que se faz no país, e na Bahia em particular, pelo esporte amador, celeiro de
atletas? Implodimos há cindo anos um dos dois únicos parques olímpicos do pais,
a Fonte Nova, ao se sujeitar a uma Fifa corrupta. Duas piscinas, uma delas com
50 m, e um ginásio de esporte viraram estacionamentos vazios e perdemos a única
pista de atletismo. O povão do Rio de Janeiro, apesar de só ter visto ao vivo a
maratona, se comportou de forma exemplar. O mau-caratismo ficou por conta de
visitantes ilustres: quatro norte-americanos arruaceiros e mentirosos, nove
australianos fraudadores de credenciais e um francês destemperado que nos
comparou aos seguidores de Hitler.
A Olimpíada Rio-2016 introduziu algumas melhorias na cidade e amenizou, em
parte, a imagem negativa que temos no exterior pela corrupção de nossos
políticos e crise econômica. Resta saber se esses benefícios compensam o alto
custo que estamos pagando em detrimento de medidas sociais mais urgentes.
SSA: A Tarde, de 28/08/16