Artigos de Jornal


A força discreta do povão brasileiro

  • 28 de Agosto de 2016

Em 1990, o professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, cunhou a expressão “soft power”, ou poder suave, para caracterizar uma política já defendida pelo taoísmo, há 2.500 anos. Ela é uma estratégia de se conseguir vitórias sem fazer a guerra. Isto pode ser conseguido por três vias: a exibição do bastão, ou força de dissuasão; a compra com cenouras, ou sedução pela cultura e atitudes políticas; e a cooptação, ou fazer que o outro compartilhe do nosso projeto. A maior expressão contemporânea do “soft power” são as olimpíadas, inventadas pelos gregos em 776 aC e ressuscitada na Era Moderna em 1896. As grandes potências sempre usaram tanto o “hard power”, ou a porrada do bastão, como o “soft power”, ou poder de persuasão. Isto foi muito evidente durante a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, e continua sendo usada, embora de forma mais diversificada, com novos jogadores, como a Europa, a China, o Japão, a Coreia e outras potencias emergentes.

O governo brasileiro, que só mandou soldados para duas guerras, e alheias - a do Paraguai e a II Grande Guerra - nunca deu muita importância ao poder suave. A cultura e os esportes são os dois fronts mais importantes da diplomacia suave de uma nação. A América Espanhola, com população equivalente à do Brasil, tem 16 Prêmios Nobel e nós nenhum, porque o Itamaraty nunca se empenhou pelas candidaturas de Carlos Chagas, Cesar Lattes, Dom Hélder Câmara e Jorge Amado lançadas por intelectuais brasileiros. A Argentina tem cinco Prêmios Nobel, o México três e a Guatemala dois.

Quem faz o “soft power” do Brasil é o nosso povão. Sim, somos conhecidos no exterior pela música popular, pelo espetáculo do carnaval carioca, pela habilidade de nossos Garrincha, Pelé, Ronaldinho e Neymar e mais recentemente pela ginga da capoeira baiana. Éramos os pentacampeões de futebol, antes dele virar produto de exportação. Na Copa de 2014 e Olimpíada 2016, duas festas que se devem ao empenho pessoal do presidente Lula, a atuação esportiva dos donos da casa não foi das mais convincentes. Perdemos no futebol para a Alemanha por 7x1 e ficamos no 13º lugar no número de medalhas olímpicas. A Inglaterra, com um terço da nossa população, faturou três vezes e meio mais medalhas do que nós.

Se conseguimos mais duas medalhas que na Olimpíada de Londres foi porque dois baianos, um canoeiro de Ubaitaba, Isaquias Queirós, e um lutador de box, de São Caetano em Salvador, Robson Conceição, sem treinamento adequado, nem patrocínio, faturaram quatro medalhas: uma de ouro, duas de prata e uma de bronze. E uma garota de uma favela violenta do Rio de Janeiro, Rafaela Silva, xingada por não ter trazido prêmios de Londres, ganhou uma medalha de ouro no judô. Vitórias surpreendentes e espetaculares em esportes de força e resistência, como a de dois também excluídos internacionais, o queniano Eliud Kipchoge, na maratona, e o jamaicano Usain Bolt no atletismo, na mesma olimpíada.

O que se faz no país, e na Bahia em particular, pelo esporte amador, celeiro de atletas? Implodimos há cindo anos um dos dois únicos parques olímpicos do pais, a Fonte Nova, ao se sujeitar a uma Fifa corrupta. Duas piscinas, uma delas com 50 m, e um ginásio de esporte viraram estacionamentos vazios e perdemos a única pista de atletismo. O povão do Rio de Janeiro, apesar de só ter visto ao vivo a maratona, se comportou de forma exemplar. O mau-caratismo ficou por conta de visitantes ilustres: quatro norte-americanos arruaceiros e mentirosos, nove australianos fraudadores de credenciais e um francês destemperado que nos comparou aos seguidores de Hitler.

A Olimpíada Rio-2016 introduziu algumas melhorias na cidade e amenizou, em parte, a imagem negativa que temos no exterior pela corrupção de nossos políticos e crise econômica. Resta saber se esses benefícios compensam o alto custo que estamos pagando em detrimento de medidas sociais mais urgentes.

SSA: A Tarde, de 28/08/16


Últimos Artigos