Artigos de Jornal
Quem se lembra dos espaços de socialidade?
Ha alguns anos não vou a Europa, onde morei. Mas o recebimento de um vídeo de
Montmartre, em Paris, me provocou uma catarse. As calçadas estavam cheias de
mesas e seus usuários conversavam com moradores, tocadores de realejos e
músicos. Poderia citar muitos exemplos europeus, mas prefiro os nacionais, como
os calçadões de Copacabana, as vilas Madalena e Olímpia, em São Paulo, as orlas
de Maceió e João Pessoa.
Os nossos passeios são mesquinhos, mas tínhamos ruas comerciais de muita
interação social e política, como a Rua Chile, e vias simples, mas integradoras,
como a Baixa dos Sapateiros, cantada por Ary Barroso. Na Barra se fazia um
animado footing e nos bairros as famílias colocavam cadeiras nos passeios para
fofocarem e jogarem dominó. Tínhamos o ciclo das festas de largos e ruas, que
começavam na Conceição e seguiam pela Boa Viagem, Lapinha, Ribeira, Rio
Vermelho, Pituba e Itapuã. Nelas se encontravam os amigos para conversarem,
comer, beber, batucar e cantar. Ali nasciam namoros, casamentos e separações.
Havia também as feiras de bairros, onde se encontravam os vizinhos, consumidores
e vendedores e se provava a farinha, o camarão seco, a cachaça de rolha e as
frutas. Essas seguiam o roteiro dos pequenos portos de saveiros: Ribeira, Lenha,
Agua de Meninos, Rampa do Mercado, Preguiça, Barra, Rio Vermelho e Itapuã. Ainda
recentemente grupos de músicos se reuniam aos domingos nas praças de Nazaré e da
Madragoa para tocarem reunindo um grande número de vizinhos. Não cobravam nada,
mas pelo que me informaram, a Prefeitura queria cobrar pela ocupação do espaço
público. Nos países desenvolvidos, as municipalidades pagam e esses músicos que
animam estações de metrô e praças.
Quando defendo a humanização de nossa cidade, os cultores do concreto e dos
viadutos me acusam de saudosista. Eles provavelmente não conhecem as feiras e
mafuás de Nova York, Paris, Roma e Londres. Em São Paulo e no Rio continuam
existindo feiras rotativas diárias e agora charangas locais tocando com apoio da
prefeitura que fecha ruas para a sua realização. Por que esses espaços acabaram
em Salvador? Pela falta de sensibilidade dos nossos edis, pela priorização do
carro sobre o cidadão, pelo abandono das calçadas e shoppings excludentes.
Desses espaços de socialidade apenas as praias, objeto de estudo de Thales de
Azevedo, persistem, mas desprovidas de sanitários, chuveiros, sombreiros e
quiosques de venda de agua, refrigerantes e acarajés.
Em todo o mundo, faixas de rolamento estão sendo transformadas em ciclovias e
calçadões arborizados, incrementando a vida social, o comercio e os serviços.
Aqui a “desurbanização” se faz com superfaturados e inúteis viadutos e elevados
excludentes de pedestres, bicicletas e do verde.
SSA: A Tarde, 12/01/2017
P.S. – Estou aniversariando neste mês e a Academia de Letras da Bahia, a UFBA, o
Dep. Ba do IAB e o CAU/BA resolveram me fazer uma homenagem, quando lanço o
livro “A Memória da Pedras”, de contos e crônicas sobre arquitetura e urbanismo.
Terei o maior prazer em receber os meus leitores de Salvador. Dia 16/03, às 18
hs, na ALB, Palacete Góes Calmon, na Av. Joana Angélica, defronte do Ministério
Público da Bahia.