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Os não-lugares de Salvador

  • 10 de Setembro de 2017

A Academia de Letras da Bahia vem realizando mesas-redondas sobre temas contemporâneos, como parte das comemorações do seu centenário. Uma delas, realizada em 24 do último mês, foi sobre a venda pelo pernambucano Cardeal da Silva e o cearense Juracy Magalhães da igreja da Sé, por trezentos contos de reis, à americana Linha Circular. A motivação imediata do evento foi o lançamento do belo filme de Jacira Oswald inspirado no livro de Fernando Peres sobre a demolição da sede do maior bispado do mundo, que se estendia a todo o Brasil e à África lusa.

Um dos palestrantes, o professor Nivaldo Andrade Jr., levantou a questão do vácuo resultante daquela demolição e de mais dois quarteirões, que foi terminal de bondes, de ônibus e a partir de 1999 memorial subterrâneo da Sé e fonte luminosa, mas nunca conseguiu ser um espaço de convivência social. Ele é apenas um vazio entre a praça Municipal, do poder civil, e o Terreiro, do poder religioso. Aquele foi o primeiro não-lugar de Salvador, conceito adotado pelo antropólogo Marc Augé, que o define como um espaço de passagem incapaz de dar forma a qualquer identidade.

Dada a partida, nossos administradores criaram outros não-lugares, como o Cemitério do Sucupira, de 1974, resultante da demolição da Imprensa Oficial, Biblioteca Pública e do antigo fórum, na praça Municipal. O povo sabiamente apelidou aquele tabuleiro como necrotério, porque o prefeito Clériston Andrade, envergonhado, adiou quanto pode sua inauguração, como na novela da Dias Gomes. Ali não foi criado apenas um não-lugar, senão deformada a praça Municipal vizinha, com a meia volta que foi dada a seu eixo, que Luiz Dias sensatamente havia dirigido para a Baia de Todos os Santos.

Quando o prefeito Mário Kertesz foi impedido por ACM de transferir o Executivo Municipal para o desocupado palácio Rio Branco, ele pediu a Lelé que armasse um palácio provisório naquele local. O palácio Tomé de Souza não conseguiu preencher o vazio do cemitério, mas o arquiteto colocou em seu teto um canhão apontando para o Rio Branco, em homenagem a Seabra. A antiga Estrada da Rainha virou outro não-lugar que para se atravessar seria preciso pegar dois elevadores, que não foram instalados.

O pulmão da Paralela, compartido nas primeiras horas da manhã e nos finais de tarde, pelo zé-povinho do Miolo de Salvador e mauricinhos dos condomínios fechados da Orla, foi transformado no maior não-lugar do país e uma barreira de 13 km. O que restou das trilhas de cooper e de milhares de arvores do antigo bulevar? A ferrovia do Litoral Norte, com suas carapaças de tatus infladas, transformou o parque da Paralela numa terra-de-ninguém. São as empreiteiras que plasmam esta cidade dos não-lugares, dos viadutos engarrafados e da exclusão social.

SSA: A Tarde de 10/09/17


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