Artigos de Jornal
Um balão solto na praça
Fazia eu minha caminhada na praça Ana Lucia Magalhães, na Pituba, quando um
balão se soltou de uma criança e começou a voar levando os meus pensamentos. As
praças mediterrâneas são secas, desde a Antiguidade, não têm vegetação. Mas para
compensar, têm uma fonte. Ali a população ia recolher a agua e jogar conversa
fora. Hoje os turistas vão se banhar durante o calor do ferragosto. Também
tivemos essas fontes: “Fui no Tororó beber água não achei/Achei a bela morena/
Que no Tororó deixei”.
As fontes barrocas chegam a ser exageradas, como a Fontana di Trevi, maior que a
própria praça. Prefiro a delicada Fontana delle Tartarughe no ghetto de Roma.
Notáveis são as praças de armas, ou zócalos, reminiscência islâmica, da América
espanhola. Algumas em lugar da fonte tem uma glorieta, mas todas têm portais
onde a população passeia a coberto, namorando, bebericando e comprando. Vivi
seis meses em Cusco, no Peru, e curti muito sua praça de armas, que está no
mesmo local da milenar Huacaypata incaica. Seus portais ainda conservam a
memória de seus antigos mercaderes: portal de carnes, de panes, de harinas, de
carrizos e de los escribanos, aqueles que rabiscavam cartas e petições para os
iletrados.
As praças de armas espanholas são uma imitação das hispano americanas criadas
pelos conquistadores. Gosto de entrar através de vielas tortuosas na geometria
mais-que-perfeita da praça de armas de Victoria, no país basco. Praças no
tropico sem arvores, bancos para namorados, pássaros, gatos e micos, com
piquetes e onde é proibido pisar na grama não são praças, são solários.
Ruminando recordações, meu balão foi pousar entre outros coloridos no verde
zócalo de Oaxaca, no México, com seus grandes louros da Índia, que resistem aos
prefeitos e onde ainda existem engraxates, cantadores, realejos, lambe-lambes e
camelôs loquazes, como antigamente na nossa praça Cairu. “Abençoado seja o
camelô dos brinquedos de tostão:/ O que vende balõezinhos de cor/ O macaquinho
que trepa no coqueiro.../ Alegria das calçadas.../ E dão aos homens que passam
preocupados ou tristes uma lição de infância” (Bandeira).
SSA, A Tarde, 27/08/17