Artigos de Jornal
Escobar: O filme
Nenhum outro bandido recebeu tantas homenagens pós-morte quanto Escobar. Dez
filmes: Profissão de risco, Tres Caínes, Escobar: o paraíso perdido, Pablo
Escobar: ángel o demonio, The two Escobar, Los tiempos de Pablo Escobar, Os
pecados de meu pai, Conexão Escobar, Pablo Escobar: the king of coke e Escobar:
a traição. Ganhou ainda três séries de TV: Pablo Escobar: o senhor do tráfico,
Surviving Escobar (Alias J.J) e Narcos. Não vi seus primeiros filmes, nem as
series, só o último filme de 2017, do diretor Fernando Leon de Aranoa, baseado
no best seller da jornalista e sua amante, Virginia Valejo: “Amando a Pablo e
odiando a Escobar”. A interpretação de Javier Bardem de um personagem complexo,
charmoso e malvado é magistral. A crítica não gostou, porque o filme não revela
novidades. Só Virginia o conheceu a fundo.
O livro é um retrato das republicas ibero-americanas e de suas relações com os
EUA, nos anos 1970/80. Segundo Escobar só se faz “democracia” com muito
dinheiro, subornando a situação e a oposição, ou matando, “ou prata (dinheiro)
ou chumbo”. De 1964 até hoje, há uma grande galeria de políticos brasileiros
assassinados ou vítimas de acidentes suspeitos. O exemplo mais recente é o de
Marielle. Para defender seus interesses e não ser deportado para os EUA, se
elegeu deputado. O helicóptero da família de um parlamentar mineiro foi
aprendido, em 2013, com 450 kg. de cocaína. Ele denunciou o piloto e não foi
preso. Tivemos um deputado pelo Acre, traficante de droga, que também matava
seus rivais com motosserra. Como na Colômbia, nossas autoridades autorizaram o
nosso maior lavador de dólares a se recolher no seu próprio presidio, com
piscina e quadra de tênis, só faltando o zoológico.
Quem são os outros “patrones”, que movimentam milionárias redes de aviões,
pistas e laboratórios, numa rota que sai da Bolívia e Colômbia para abastecer os
mercados nacional, europeu e americano. Redes internacionais que envolvem armas,
lavagem de dólares na Suíça e no Caribe e máfias locais que transformam 1kg de
cocaína, adquirida por US$2 mil, em 3kg de baseados adulterados vendidos nas
ruas dos EUA por US$150 mil. Segundo Escobar, Reagan não estava preocupado com a
droga que entrava, senão com os dólares que saiam. Escobar sabia da força da
mídia no continente, de Chatô, dos Marinhos e de Carlos Slim, também grandes
colecionadores de arte, e escolheu uma apresentadora de TV para ser sua
porta-voz e biógrafa.
Como um Robin Hood, ele era idolatrado pelos pobres, para quem dava casas, e
pelas socialites e políticos, para quem dava festas e financiava campanhas, como
fazem as nossas empreiteiras. Era um bom pai de família dentro de casa e um
devasso fora dela, como analisa Roberto Damatta e Nelson Rodrigues descrevia.
“Não importa como ganhava, mas como gastava”, dizia Virginia, versão do nosso
“rouba, mas faz”. Lutou e foi morto pela CIA, que dominava seu país. Escobar foi
a encarnação do maior Macunaíma latino-americano, um herói sem nenhum caráter.
SSA: A Tarde, 07/10/2018