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Escobar: O filme

  • 07 de Outubro de 2018

Nenhum outro bandido recebeu tantas homenagens pós-morte quanto Escobar. Dez filmes: Profissão de risco, Tres Caínes, Escobar: o paraíso perdido, Pablo Escobar: ángel o demonio, The two Escobar, Los tiempos de Pablo Escobar, Os pecados de meu pai, Conexão Escobar, Pablo Escobar: the king of coke e Escobar: a traição. Ganhou ainda três séries de TV: Pablo Escobar: o senhor do tráfico, Surviving Escobar (Alias J.J) e Narcos. Não vi seus primeiros filmes, nem as series, só o último filme de 2017, do diretor Fernando Leon de Aranoa, baseado no best seller da jornalista e sua amante, Virginia Valejo: “Amando a Pablo e odiando a Escobar”. A interpretação de Javier Bardem de um personagem complexo, charmoso e malvado é magistral. A crítica não gostou, porque o filme não revela novidades. Só Virginia o conheceu a fundo.

O livro é um retrato das republicas ibero-americanas e de suas relações com os EUA, nos anos 1970/80. Segundo Escobar só se faz “democracia” com muito dinheiro, subornando a situação e a oposição, ou matando, “ou prata (dinheiro) ou chumbo”. De 1964 até hoje, há uma grande galeria de políticos brasileiros assassinados ou vítimas de acidentes suspeitos. O exemplo mais recente é o de Marielle. Para defender seus interesses e não ser deportado para os EUA, se elegeu deputado. O helicóptero da família de um parlamentar mineiro foi aprendido, em 2013, com 450 kg. de cocaína. Ele denunciou o piloto e não foi preso. Tivemos um deputado pelo Acre, traficante de droga, que também matava seus rivais com motosserra. Como na Colômbia, nossas autoridades autorizaram o nosso maior lavador de dólares a se recolher no seu próprio presidio, com piscina e quadra de tênis, só faltando o zoológico.

Quem são os outros “patrones”, que movimentam milionárias redes de aviões, pistas e laboratórios, numa rota que sai da Bolívia e Colômbia para abastecer os mercados nacional, europeu e americano. Redes internacionais que envolvem armas, lavagem de dólares na Suíça e no Caribe e máfias locais que transformam 1kg de cocaína, adquirida por US$2 mil, em 3kg de baseados adulterados vendidos nas ruas dos EUA por US$150 mil. Segundo Escobar, Reagan não estava preocupado com a droga que entrava, senão com os dólares que saiam. Escobar sabia da força da mídia no continente, de Chatô, dos Marinhos e de Carlos Slim, também grandes colecionadores de arte, e escolheu uma apresentadora de TV para ser sua porta-voz e biógrafa.

Como um Robin Hood, ele era idolatrado pelos pobres, para quem dava casas, e pelas socialites e políticos, para quem dava festas e financiava campanhas, como fazem as nossas empreiteiras. Era um bom pai de família dentro de casa e um devasso fora dela, como analisa Roberto Damatta e Nelson Rodrigues descrevia. “Não importa como ganhava, mas como gastava”, dizia Virginia, versão do nosso “rouba, mas faz”. Lutou e foi morto pela CIA, que dominava seu país. Escobar foi a encarnação do maior Macunaíma latino-americano, um herói sem nenhum caráter.

SSA: A Tarde, 07/10/2018


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